Raimundo Cocão, Um homem Sem Fé

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Nos tempos áureos de pouca concorrência, Raimundo Cocão tocou uma carpintaria em Quartel São João.

Ganhou um bom dinheiro nesse ofício de carpinteiro, o negócio cresceu e com o tempo acabou virando fazendeiro por lá.

Por último mexia mais na fazenda mesmo. Numa coisa e noutra; se tornou um grande e conceituado fabricante de cachaça, da região.

Incomodado com passantes que cortavam caminho por suas terras, comprou um boi pegador (bravo), para pegar, meter medo nesse pessoal.

Funcionou por um tempo, essa medida; mais a frente, surgiu outros planos...

O toro realmente impunha respeito àquela parte da propriedade e não havia uma alma sequer com a coragem de pagar para ver: arriscar passar pelos terrenos de Raimundo.

Só de olhar a fera a pessoa dava logo um jeito de retirar-se para bem longe dele, numa velocidade...

Caboclo até camarada; sem avareza, sem tantas ostentações, mas, havia um, porém: seu Raimundo era um homem sem fé de tudo. Não acreditava em nada, em santo algum.

E por girar uma Folia de Reis na sua região, resolveu fazer uma graça... Prendeu o dito boi pegador e mandou um recado aos foliões a irem buscar a esmola do santo.

Havia uma boa pitada de maldade nessa sua ação de "bondade"...

Depois de muito giro, penitências, cantos naquela via-sacra o grupo de foliões fora buscar a esmola prometida.

Ao chegarem à fazenda Raimundo os receberam de braços abertos e convidou a entrar, serviu mesa farta, ouviu as cantorias, às rezas... e apontou ao curral a esmola ao santo...

— É esse boi aí, preso no curral o dia todo; foi ele que eu dei, separei a essa finalidade.

Em pensamentos não tão bondosos... por desejar que o animal desse uma boa esfrega neles

Pontuou uma observação:

— Terão de levá-lo embora agora, se não poderei mudar de ideia. Se conseguirem esse feito eu não o ponho nunca mais a pegar ninguém, que passe nos meus terrenos.

O capitão da folia chamou um folião e o orientou: passe a frente com a bandeira, e nós o restante, vamos mais atrás (na retaguarda), porque o santo tem que andar à frente.

E puxou da boca de Raimundo Cocão sua última confirmação sobre o combinado:

— O boi, é nosso mesmo?

— Sim.

Abriram a cancela do curral e o temível animal olhou meio confuso, espantado para aqueles foliões, em cantorias e rezas, foi com tudo para cima deles, como que ia atacá-los.

E qual foi a grande surpresa? Aquele garrote tão temeroso, que não respeitava ninguém, quando se viu diante da bandeira dos três reis e o menino Jesus, ajoelhou-se diante dela.

Quando cumpriu seu tempo de reverência levantou-se de diante do símbolo religioso e acompanhou os foliões pela estrada afora sem nenhum ataque a eles.

Soube-se depois daquele boi ter sido leiloado num bom preço.

Depois dessa, em termos de fé, dizem que Raimundo Cocão mudou muito: para melhor...

Nemilson Vieira de Morais,

Gestor Ambiental/Acadêmico Literário.

(14:09:22)

Nemilson Vieira de Morais
Enviado por Nemilson Vieira de Morais em 15/09/2022
Reeditado em 15/09/2022
Código do texto: T7606374
Classificação de conteúdo: seguro