Mel de abelhas

Esse caso foi contado várias vezes pelo meu falecido avô, nas reuniões de família.

Era um sábado de manhã, e meu avô tinha um plano de tirar um mel de uma colméia que ele tinha visto num pasto onde ficava o gado dele.

Dizia que a colméia era enorme e sonhava com o tanto de mel que teria lá.

Minha vó falava que era perigoso, mas como a teimosia é tradição de família, ele simplesmente ignorava.

Ele falou daquele mel por semanas e nenhum dos filhos queria ir com ele. Numa sexta-feira à tarde ele estava jogando damas com meus tios e um amigo deles e levantou o assunto sobre o tal do mel. Logo o garoto, que tinha um apelido de Tatu, ficou empolgado com a ideia e se ofereceu de ir junto com meu avô. Era tudo o que ele queria, pois era um homem de meia idade e subir em árvore era uma atividade perigosa, e um adolescente faria isso com mais tranquilidade.

No sábado de manhã eles foram para o pasto tirar o tal do mel.

Meu avô foi com chapéu, roupa de frio com manga longa, botina e calça. E tinha certeza que não ia ter problemas com as abelhas, pois ia levar um jornal e queimar pra fazer fumaça. Alguém tinha falado com ele que a fumaça acalmaria as abelhas.

O seu companheiro nessa empreitada, o menino Tatu, também foi com roupas longas e bem confiante.

Minha vó tentou fazer eles desistirem, mas não adiantou nada os seus conselhos.

Foram os dois a pé colher o mel.

Quando lá chegaram, meu vô acendeu o fogo com o jornal e entregou para o Tatu e o menino subiu na árvore. Lá em cima ele cutucaria a colméia apontando o jornal queimando como forma de se proteger das abelhas.

E o meu avô o esperava lá em baixo, pra colocar os favos de mel em um saco pra levar embora.

Na primeira cutucada a colméia furou e saiu um exame enorme de abelhas. Meu avô dizia que nunca tinha visto tantas abelhas igual aquele dia. As abelhas não foram nem um pouco intimidadas pela fumaça e atacaram os dois de forma feroz. O garoto caiu da árvore já correndo e meu avô também disparou de galope como ele mesmo falava.

Só que as abelhas foram perseguindo os dois e dando ferroadas. Meu avô corria e ia arrancando as roupas pelo caminho. Não era muito comum naquela época, adultos ficarem com roupas íntimas na frente das crianças. Por isso o menino Tatu, chorava por causa das ferroadas de abelhas e ao mesmo tempo ria vendo o meu avô se despindo durante a corrida desesperada.

O tal pasto, era uns quatro quilômetros de distância da casa do meu avô. E meu vô correu todo esse caminho tirando as roupas por causa das abelhas. Ele chegou em casa só de cueca, todo picado de abelha.

E a minha vó não se conteve dizendo: "eu te avisei que isso não ia dar certo".

Essa história arrancava gargalhadas dos meus tios e do meu pai, quando era contada, décadas depois.

Nunca mais nenhum deles tentou tirar mel de abelhas de novo.

Ainda lembro bem do meu avô, foi com ele que eu aprendi a jogar damas. Quando ele morreu eu tinha oito anos de idade, e isso já faz vinte e três anos.

Um dia antes de morrer, um domingo a tarde, ele me pegou no colo e brincou comigo pela primeira vez. Nunca esqueci dele e do modo como foi encontrado morto pelo meu pai na manhã de segunda feira.

Meu pai de vez em quando se lembra dessa história e a conta novamente. Acho que é uma maneira de se recordar do pai dele, eles não se davam muito bem, e vejo que meu pai sente muita falta dele ainda.

Abreu Lima
Enviado por Abreu Lima em 08/09/2022
Reeditado em 08/09/2022
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