De terno, gravata e sapatos impecavelmente lustrados
Maria Antônia estranhou ao se deparar com a porta chaveada e, pela primeira vez em quase 15 anos, usou a cópia da chave que sempre lhe acompanhou. Mais surpresa ainda ficou ao não ver a mesa postada para o café que seu patrão fazia questão de tomar com ela pontualmente às 7 e 30.
Colou o ouvido à porta do quarto e ouviu a tevê ligada. Bateu e o chamou três vezes. Não obtendo resposta arriscou a maçaneta e surpreendeu-se ao constatar que a porta estava apenas encostada. Sem ar mesmo ficou ao ver o patrão deitado em sua cama, ereto, vestindo terno, gravata, sapatos e morto.
Maria Antônia revelou aos policiais que atenderam a ocorrência que o mesmo, já com 85 anos, não tomava medicamentos e caminhava seis km todo dia ao final da tarde. E não gostou do comentário irônico do policial: - Esse seguiu aquele ditado: “Viva cada dia como se fosse o último; um dia você acerta”.
Educado, de bom humor e sem parentes próximos, dizia seguidamente que “o ser humano é um animal imprevisível” quando ela lhe segredava problemas familiares e que “não devemos acreditar em tudo o que nos contam.”
E algumas perguntas não lhe saiam da cabeça. Será que ele dormia toda noite vestido assim? Como nunca tinha visto aquele par de sapato e nem o terno amarrotado?
Semana passada Maria Antônia foi visitada pela pessoa que fazia a declaração do Imposto de Renda do patrão e lhe falou, assim por cima, que ela deveria comparecer ao seu escritório para tomar conhecimento do "testamento."
- Testamento? O que isso quer dizer? Seria alguma dívida de IPTU, luz, água? Mas ele nunca deixava atrasar... E se tiver alguma dívida, eu pago! Ele sempre foi muito bom pra mim. Pago sim. E que Deus o tenha.