EM MEIO AO REDEMOINHO

O redemoinho estava lá, no meio do caminho. Um vento esquisito o criara, assim, do nada. Saulo, caminhante atento naquela região do cerrado, sabia perfeitamente que aquele evento seria comum em sua trajetória. O clima seco da região àquela época do ano, mais a brisa que soprava vindo das veredas ainda resistentes, favorecia a formação do redemoinho. O povo da região sugeria cuidado porque também era comum o diabo surgir no meio dele.

 

Os relatos dos moradores, supersticiosos, informavam que o diabo costumava transitar e surgir no meio daqueles redemoinhos. O diabo é ótimo negociante. Sua intenção, ao surgir do nada, era aproveitar dos medos e dos desejos dos caminhantes e negociar suas almas. Assim surgiam violeiros especialistas na moda de viola de um dia para o outro. Todo violeiro sabe disso.

 

O violeiro Paulo Freire tem uma música em que ele narra como isso é feito. Perguntado se ele havia feito o pacto com o demo, ele diz que não. Seus ouvintes sabem, no entanto, que ele ficou dez anos aprendendo a viola caipira com os violeiros do Mucuri. Saulo, que já o ouviu, diz que ele faria uma bela dupla com o Trindade, personagem famoso de outras paradas, do Pantanal.

 

Saulo, não era da viola, era da caneta. Se o diabo aparecesse naquele redemoinho, ele bem seria capaz de um pacto. Queria escrever o conto perfeito, o poema épico, ou o romance ganhador do Jabuti. O capeta, entretanto, não apareceu. A narrativa perfeita, que encantaria os leitores, só acontecerá com muito esforço, sem pacto. Pelo menos manterá sua alma e sua calma no interior de si, como estava.

 

Em vez de pactos, ele precisaria enfrentar seus problemas cotidianos. Considerava a necessidade de sempre se segurar nos rabos de foguetes que surgiam no céu do seu cotidiano. Era ali que deveria fazer a gestão de seus medos e desejos, e transformar seus medos em coragem nem que fosse de susto, o mesmo susto em frente ao redemoinho de antes.

 

Morador de montanhas, o trabalho com suas canetadas surge durante escaladas reais e imaginárias. Subir e descer serra sempre o ajuda a criar frases bonitas, rimas coloridas e personagens simples e fortes. Como no dia em que surgiu em sua frente, no meio da subida de uma serra, uma jaguatirica, ou oncinha pintada. Chegou até a pensar que seria o capeta travestido de animal que pudesse realizar seus desejos em troca da alma. Estava mesmo disposto a negociar se fosse o caso. Ficou parado, olhando o bicho que também o olhou com olhos luminosos.

 

A jaguatirica, no entanto, desviou o caminho e desapareceu na mata. A única coisa a fazer foi acrescentar o evento em suas narrativas, em suas histórias. Nesta região, redemoinhos não são comuns como no cerrado. As montanhas provocam as pessoas de outras maneiras, e as lendas tomam outras configurações. Os ventos daqui sopram diferentemente dos ventos de lá. Em sua briga com as montanhas eles assobiam em outras notas musicais, fazendo música em outras tonalidades.

 

Ao subir e descer montanhas, Saulo sempre encontra corredeiras em vez de veredas, algumas pequenas cachoeiras aqui e ali. Banhos de cachoeira são permitidos. E peixes, pequenos, não nos olham como se encarnasse o diabo em seus olhares. Sem pacto com eles, apenas convivência nas águas.

 

Paulo Cezar S Ventura
Enviado por Paulo Cezar S Ventura em 27/08/2022
Código do texto: T7592030
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