O Jogo e a Cegueira.
Quando a nossa casa foi “inaugurada”, lá pelos idos de 1958, ainda não havia energia elétrica por lá. Meu pai convidara alguns colegas para jogar Doppeltkopf, um jogo de baralho de origem alemã, muito interessante. Para quem não conhece, trata-se de um jogo onde os companheiros são revelados durante cada partida, de conformidade com as cartas que recebem.
"Seo" Alois trouxera um vinho de laranja, que ele mesmo fermentara e que era enganadoramente suave. Alois, Papai, Pit, Sep e meu padrinho Herrmann eram os jogadores. Podia ser jogado também com apenas quatro jogadores, mas naquele dia estavam em cinco. Todos “jovens”, com mais de 50 anos apostavam quantias irrisórias, para não virar bagunça.
Estavam os cinco no porão agradável, jogando durante toda tarde e, de vez em quando, bicando do vinho de Alois. O jogo devia estar interessante porque não viram que escureceu. Foi providenciado um lampião a querosene para que o jogo pudesse continuar. Herrmann, meu padrinho, tinha fama de pão duro. Era capaz de fumar dos cigarros de todos, até acabar, para só então mexer nos seus. Naquele dia deve ter bebido muito do vinho de laranja do Alois, uma vez que era de graça. Por conseqüência, adormeceu durante o jogo.
Nunca soube ao certo de quem partiu a brincadeira, mas todos participaram. Apagaram o lampião e cutucaram ao Herrmann:
- É sua vez de jogar!
- O que, o que?
- Pit disse “rei”. Você acompanha ou corta?
- Como assim?
- Vai jogar ou não vai?
- Eu não estou vendo nada!
- Pare com isso! Você só tomou um pouco de vinho. Atende ou corta?
- Eu estou cego, estou cego. – Quis levantar-se e sair correndo, mas os companheiros o seguraram.
Tudo o que estou contando foi o que deduzi pelo que meu irmãos, que ainda estavam acordados me contaram. Também pelo que ouvi depois, porque o comentário correu toda a cidade. Eu só posso garantir que vi no fim da tarde do dia seguinte o “seo” Herrmann lá em casa. Cabisbaixo, triste assisti ele dizer ao papai:
- O que fizeram comigo foi mais que brincadeira. Deviam respeitar um homem quando bebe um pouco de vinho!
Luiz Lauschner