SANHAÇO, O AGIOTA

Ludenilson era muito popular no pequeno município de João Baldério, no interior do Brasil. Sua morte trouxe comoção até nas cidades circunvizinhas.

Um jovem de quarenta anos, sorridente, prestativo e... agiota.

Os moradores mais velhos ainda guardam na memória a criança esperta, que já pensava em juntar dinheiro pra ajudar os pais. Ludenilson, ou Sanhaço como era conhecido devido seu jeito franzino, era diferente das demais crianças de sua idade. Não se interessava por soltar pipa, brincar de pião, no máximo arriscava alguns dribles no campinho de várzea.

Costumava ir com outras crianças maiores tomar banho num riacho.

Ali, brincava com o barro. Moldava casinhas e dizia para seus coleguinhas que quando crescesse seria dono de várias casas. Tudo era tão distante da realidade em que ele se encontrava, mas Ludenilson acreditava em seu sonho. Era um garoto muito inteligente para a idade. Suas conversas eram de gente adulta, e isto infelizmente contribuía para que outras crianças o deixassem de lado. Isto o entristecia um pouco, pois ele queria ser aceito. Queria ser uma criança normal, mas se sentia cobrado em ter de cedo amadurecer. Sanhaço fazia um voo solitário. Seu Aldair e Dona Martina eram seus pais. Era um casal que vivia em pé de guerra sempre que o assunto era dinheiro. Dona Martina não teve uma gravidez tranquila. Todo dia era um alvoroço, a vida amarrada, a penúria batendo à porta.

Já aconteceu de faltar dinheiro para o leite do bebê Ludenilson. A salvação era a vizinhança bem unida e que se solidarizava com a triste situação. Durante um período a família de Sanhaço passou um aperto. Mas chegou um tempo em que Seu Aldair começou a não aceitar ajuda nem permitia que sua mulher aceitasse. Ele passou a fazer parte de uma seita religiosa com o intuito de enriquecer. Sua família também aderiu à seita. Outra peculiaridade era que eles deixaram de ter medo. Parecia que tinham adquiridos um força incomum. Passaram a olhar os desafios da vida com a maior naturalidade. Deixaram de temer a morte. Mas não era um pensamento focado em Deus, o nosso Deus criador. Infelizmente não era! Seu Aldair entregou sua alma para o mal, e condenou toda a sua família ao atraso. Inegavelmente, eles cresceram financeiramente. Surpreendentemente todos os moradores do lugarejo ficaram estarrecidos! Seu Aldair era servente de pedreiro, jardineiro, zelador. Trabalhava na fazenda mais bonita da região, a Fazenda Esperança. De um simples empregado da propriedade, ele passou a ser o dono. O seu amo, Randolfo Dias ( Prefeito de João Baldério ) subitamente teve uma morte misteriosa. Foi dormir e não acordou, amanheceu com o corpo totalmente rígido feito pedra.

Os filhos do Coronel Randolfo ( como era conhecido), que já não costumavam visitá-lo pois detestavam morar no interior, nem se importaram quando ficaram sabendo da morte do pai. Inacreditavelmente até riram! Seu Aldair questionou a eles sobre o que fariam com a propriedade. A resposta foi uma ordem que eles deram a Seu Aldair para que tocasse fogo na Fazenda.

Os filhos de Randolfo eram mimados, tinham raiva do pai. Um caso triste de família desestruturada. Muitas famílias sofrem pela falta de diálogo e compreensão e acham que vão resolver os problemas com trabalho e dinheiro. Randolfo não conseguiu resolver as questões familiares, não foi homem de verdade. Seus filhos testemunharam a covardia que ele fez com a esposa, Dona Elenisa.

Os meninos sofreram com a mãe deficiente física, na cadeira de rodas, sendo rejeitada e traída pelo Randolfo. Está certo que o sofrimento foi grande e a alma se abate, mas nada justifica o riso ao saber da morte do pai. E ainda mandar tocar fogo na fazenda.

Seu Aldair conversou com os rapazes e fez uma proposta para comprar a propriedade, ir pagando aos poucos até quitar.

Todos tinham medo de Randolfo e também dos filhos. Eram amigos de matadores de aluguel. Ninguém se metia a besta com eles! Mas Seu Aldair, desde que entrou para uma irmandade religiosa, passou a ser como um homem de aço. Tinha também um olhar hipnotizador. E com esse mesmo olhar conseguiu o que queria: a Fazenda Esperança. Conseguiu fazer com que os rapazes vendessem a propriedade por uma bagatela. Nem precisou parcelar. Seu Aldair, misteriosamente, conseguia comprar imóveis com pouco dinheiro. E de grão em grão foi enricando! O pai abençoou o filho Ludenilson passando para ele o dom da riqueza! Alguns anos se passam, Seu Aldair morre. O velho vivia uma vida desregrada: era fã de comer muita gordura, churrasco, muito doce, só alimentos calóricos. A vida nos apresenta dois caminhos, Seu Aldair optou por ser amigo do mal, e pensava que sendo amigo do mal e fazendo a vontade dele seria poupado. Quem faz a vontade do mal, desgraça a própria vida. Ele seguiu o caminho da morte.

Sanhaço não chorou a partida do pai, ficou sereno. A comoção foi grande, Seu Aldair chegou a ser também prefeito de João Baldério. No dia do velório foi decretado feriado no lugar.

Ludenilson passou dias só trancado em casa, matutando na vida, conversando com a tristeza.

Pensou em abandonar a seita, ficou decepcionado, fazia a vontade do mal e não foi guardado. Mas o mal não guarda ninguém, e apresenta aos incautos toda a sujeira disfarçada em tesouro. O mal finge ser amigo de quem faz a vontade dele. Mentira é esperar que o trevoso tenha compaixão de alguém. Ludenilson não queria ter o mesmo fim de seu pai. Pensou em deixar a seita. Mas, em seguida, logo se lembrou do pacto que fizera de ser fiel à irmandade. Ele sacrificou um boi, assim como fez Seu Aldair.

O sangue do animal foi derramado à meia noite por todas as ruas do lugar. A família de Ludenilson recebeu do mal a chave para dominar toda a cidade. Ele agora seria o prefeito de João Baldério. Havia em seu olhar um misto de alegria e tristeza Alegria por seu sonho de infância ter se concretizado, o sonho de ter muitas casas. O orgulho morava no coração do jovem, ele se sentia um deus. Mas como assim? Ele não conhecia a verdadeira alegria. Ele de fato não era um todo poderoso. Seu pai também pensava assim até o dia em que encontrou a morte. Ludenilson

pela primeira vez teve medo, e o medo o fez ficar nas mãos do mal.

A coragem que ele tinha para desafiar as incertezas da vida e conquistar o que ele queria, sem titubear, fazer grandes negócios com toda a força... Esta coragem, esta força ele tinha que ter o dobro para não aceitar mais ficar nas garras do mal. Mas Ludenilson viveu uma vida sem entender a cartilha do segredo de saber viver: Não olhar para as conquistas materiais, não ficar apegado a elas, ter discernimento para diferenciar as vozes, entender que não é o que falam de nós que nos define, não aceitar o caminho fácil para conquistar o que se quer, e temer somente a Deus.

Ludenilson morreu uma hora antes de tomar posse como prefeito, vítima de uma emboscada armada pelo seu falso amigo Silvério, o matador de aluguel pau mandado. Ludenilson fez muita mãe, muito pai de família chorar. Tudo movido pela ambição. O jovem, apelidado de Sanhaço, escolheu ser prisoneiro e a liberdade ele ignorou por dar ouvidos a voz do mal.

Hoje ele não consegue descansar, está ao lado de seu pai. Ambos atormentados pelas chamas do inferno.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 03/07/2022
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