UM DIA QUE NÃO ESQUECEREI JAMAIS
Eram umas sete horas da manhã de um sábado quando saímos a pé, eu e Celso de Inhuma para a conceição, tinha um forró na noite deste mesmo dia. Época de inverno, estrada de terra e piçarra com muitas poças de água pelo caminho. Como não fosse pouco a distância, a sede e a fome, tinha ainda as mutucas e pensem na quantidade. Dói e diverte a lembrança daquelas cenas. As mutucas pareciam mais um enxame de abelhas, pois quando nos atacavam, não tinha uma parte do nosso corpo sem uma delas nos sugando. No desespero, o que nos restava era correr e correr muito. E nessa correria o cabresto de nossos velhos chinelos arrançavam, parávamos para pega-los, mas tinha que continuar correndo, nosso sangue estava em perigo. Aí descalços vinham os bicos de pedras, as poças de água que davam na canela e muita lama pelo corpo. As mutucas ficavam para trás, mas era apenas um alívio passageiro, logo elas voltavam a atacar e tudo começava outra vez. Celso menorzinho e mais franzino, tinha momentos que olhava para ele e nem a roupa do corpo via, enxergava apenas mutucas. Confesso que em alguns momentos cheguei a chorar pela situação de estarmos ali. Neste sofrimento, no final da tarde chegamos na conceição com nossos corpos apenas com uma metade do nosso sangue, a outra tinha ficado no caminho com as mutucas. A noite estávamos nós dois, firmes no forró.
Adolescentes, lisos e com uma vontade danada de beber pinga. Havia uma lua clara no céu e fazia um frio que chagava até nossas almas. Eu e Celso nos afastamos da casa onde acontecia o forró e entramos um pouco numa mata para desafogar a bexiga quando ouvimos alguém um pouco a nossa frente, dizendo:
─ Olha eles ali dentro da mata, atira!
Depois do que passamos no dia, correr não aguentávamos mais, nos jogamos ao chão se escondendo atrás de umas moitas esperado os tiros que não vieram. Logo entendemos que era apenas um comentário que alguém estava narrando para outros e chegamos exatamente quando dizia o que ouvimos, uma coincidência. O bom da história é que descobrimos também que eles estavam ali bebendo pinga. Aquele pessoal que leva a bebida e dá suas saidinhas para tomar uns gols sem ter que comprar no bar do forró. Quando saíssem a bebida deles seria a nossa. Ficamos um tempo escondidos dentro da mata e assim que retornaram para festa, fomos na procura da garrafa de pinga e entre uma cancela e um canto de cerca, encontramos ela acima da metade com bebida e tampa. Uma garrafa de 29.
Celso conhecia bem o terreno por ali e deu a ideia de irmos por dentro da roça, pois do outro lado do cercado tinha um pé de umbu. A festa estava completa, cachaça e tira gosto. Chegando no destino combinamos de ir até o forró convidar Titico de Antonio do Juá para a nossa festa privada, ele empolgado de imediato aceitou. Retornamos os três muito animados e demos início a todo cerimonial da festa. Primeiro cuidamos de tirar umbu suficiente e escolhemos um local adequado parra o nosso bar, uma pequena elevação do terreno, que era um antigo formigueiro desabitado. Espalhamos cuidadosamente os umbus e colocamos a garrafa no centro da ‘mesa’. Sentamos os três estrategicamente em volta da garrafa e com mais fidelidade ao cerimonial, colocamos em questão quem daria o primeiro gole. Titico além de ser o que gostava mais e ser o mais velho, coube a ele essa honra. Apesar de eu e Celso estar com a boca cheia d’água pelo primeiro gole.
Titico ajeitou-se todo, não tinha copo era na boca da garrafa mesmo, e emborcou a garrafa com vontade. Imediatamente ele tossiu e cuspiu todo líquido para fora e quase gritando, disse:
─ É MIJO!
Olha, se não fosse trágico seria cômico. Parece que todo sofrimento que passamos no dia não foi suficiente e ainda tínhamos que passar por mais aquela situação. Os caras lá da porteira beberam toda pinga e depois mijaram dentro da garrafa, sacanagem. Sei apenas que nós três sorriamos e rolava da elevação do terreno. Deixamos os umbus estrategicamente postos sobre a mesa e voltamos para o forró. A noite estava apenas começando.