A justa paga

- O governo quer nos levar à falência - declarou Ephraim Gale, polegares enfiados no cinto que circundava a barriga proeminente. - Você soube quanto vão nos pagar pelo prejuízo?

- Trezentos dólares por cabeça - replicou Archibald Cowan, que ouvia pacientemente a peroração do outro fazendeiro. - Não me parece algo tão ruim assim...

- Diz você, que não vai ter a sua propriedade sequestrada - retrucou Gale com azedume.

- Também por isso, não vou ganhar nada - Cowan não pôde deixar de sorrir.

Gale franziu a testa.

- Pois eu estou cada vez mais convencido de que estamos sendo governados por uma pandilha de comunistas - disse Gale em tom taciturno. - Essa dita "indenização", é parte do plano deles.

- Comunistas? - Cowan pareceu genuinamente surpreso.

- Não ouviu falar? - Gale ergueu os sobrolhos. - São os seguidores daquele inglês, Robert Owen; os mesmos que começaram a clamar por educação pública, no estado de Nova Iorque... na verdade, educação controlada pelo governo e paga com os nossos impostos. Nem creio que se possa verdadeiramente chamar isso de educação, mas de um sistema de treinamento que vê as crianças como animaizinhos, prontos para aceitar passivamente qualquer que seja a ideologia subversiva dos professores contratados pelo estado.

- Creio que os seus filhos são ensinados em casa, não é? - Indagou Cowan.

- De fato; destas influências insidiosas, eles estão livres - afirmou Gale com orgulho.

- Mas voltando à indenização... - provocou Cowan.

- Eu lhe digo que trezentos dólares não pagam o investimento feito em cada peça - replicou Gale. - Nós, fazendeiros, teremos agora que gastar com máquinas para fazer boa parte do trabalho que antes era feito por, bem...

- Escravos - ajudou-o Cowan. - O trabalho era feito por escravos.

- Para os quais nós fornecíamos moradia, alimentação e vestuário - enumerou Gale. - Decerto que há queixas sobre o tratamento dado por outros senhores, mas dos meus negros, asseguro, você nunca ouvirá tal coisa.

- Acredito que você foi um bom amo, temente a Deus - declarou diplomaticamente Cowan. - Mas o presidente Lincoln declarou abolida a escravidão; é hora de seguir em frente.

- Com apenas trezentos dólares por cabeça - voltou a resmungar Gale.

- Mas você sabe que poderia ser pior - redarguiu Cowan. - Esse é o valor que será pago aqui, em Washington, D.C.. Sabe quanto os demais senhores de escravos, no restante da América, irão receber?

Gale fez uma expressão de expectativa.

- Nem um centavo - informou Cowan. - Se alguém realmente deve estar reclamando agora, são os proprietários de escravos nas grandes plantações no Sul.

- Justamente por isso, estamos em guerra contra eles - rezingou Gale. - E tudo por causa dos negros!

- Trezentos dólares por cabeça - retrucou Cowan. - E os negros não vão receber nada.

- [18-06-2022]