A AVENTURA NO FORRÓ “ESPOCA CHATO”

A AVENTURA NO FORRÓ “ESPOCA CHATO”

Autor: Moyses Laredo

Na borracharia da empresa de terraplanagem em que eu era chefe, havia um sujeito que com poucos se relacionava, cuidava dos grandes pneus das pás carregadeiras e patrol (moto-niveladoras) manipulava eles sem ajuda, no muque mesmo. O homem era baixo, mas muito forte, comia como um bicho, esse era outro problema, a etapa (marmita) dele era pouca, sempre reclamava, nenhuma chefia lhe tinha dado ouvidos. Como sendo eu a nova chefia, o ouvi! Mandei dobrar sua ração, fazer uma etapa com fartura, como se dizia por lá, na cuia grande, foi maravilhosa a reação comigo, pude ver pela primeira vez seus miúdos dentes amarelados, separados e já bem desgastados, sorrindo de satisfação. Coitado, ele tinha que completar sua alimentação com bolachas ou carne em lata, compradas na mercearia próxima, a qual preparava no seu único fogãozinho à lenha, nos fundos da borracharia. Tinha sempre uma panelinha com farofa que ele de vez em quando, dava uma bicada. Daí em diante ficou meu amigo do peito, aliás, o sujeito era de fato uma boa pessoa, de gargalhada farta. Eu gostava de prosear com ele jogando dominó, tomando um cafezinho com cuscuz, junto também com outros amigos do mesmo grupo, um deles, mais chegado, era um sujeito bem alto, moreno e tão forte quanto o borracheiro, este trabalhava na oficina mecânica, tinha o mesmo problema do outro, que também resolvi de uma só canetada, em suma, ganhei dois grandes amigos.

Numa ocasião me meti numa roubada, fui num forró de nome suspeito, chamado forró “Espoca Chato”, imagine porque será? À tardinha cheguei até a comentar na rodinha do cuscuz, de que iria logo mais à noite na cidade, nesse tal forró. Me arrumei e por volta das 10:00h me mandei, fui no meu carro, deixei o da empresa, ao chegar lá me deparei com um lugar escuro, sombrio, luz vermelha, música alta mas com muita animação, brega no balde, como diziam. Vendo os casais dançando de quadris colados, troncos afastados se esfregando afoitamente, deduzi logo o nome do forró.

Procurei uma mesinha que logo me arrumaram, e fiquei “mordendo” uma cerveja, subitamente sem mais nem menos, sentou-se à minha mesa uma das “moças” do lugar, despachada, pediu um golinho da minha cerveja, não lhe neguei, dei com a mão, chamei o garçom e pedi-lhe um copo e o enchi, isso já era um sinal de começo de “conversa”, no código de lá, não sabia ainda, estava chegando no pedaço, acontece que eu já tinha manjado o padrão BR local e decidido não me arriscar com ninguém, permaneci por pura distração, o mesmo como fazia quando estudava na casa de um grande amigo, no bairro São Geraldo, e lá pelas tantas da “madruga”, cansados de tantas derivadas e integrais, saíamos no Jeep Willis americano “cara baixa” da segunda guerra de outro colega, e seguíamos rumo ao “Lá Hoje” um puteiro bastante conhecido na época, apenas para nos distrairmos com as animações das confusões e arrumação das espevitadas frequentadoras, ninguém saía com ninguém esse era o nosso lema, tomávamos umas e pagávamos outras pra elas e depois tratávamos de retornar ao martírio das equações, como relaxava esse passeio, a gente flutuava com as lembranças da algazarra das meninas. Eu nessa época, usava óculos, miopia braba, numa ocasião, já de saída, uma delas arrancou meus óculos e fugiu na multidão, como achá-la? Se não enxergava um palmo além do nariz, foi um martírio até a “coisinha” trazer de volta, levou mais de uma hora. O pior é que os colegas não podiam ir embora e nem me deixar sem eira e nem beira lá no puteiro, que situação!

Voltando ao Forró Espoca Chato, servi a ela mais um copo, em seguida um sujeito surgiu do nada e a segurou pelo braço arrastando-a para dançar, depois de um certo tempo, ela voltou a sentar-se à minha mesa, agora, sem mais cerimônias, como se fosse uma acompanhante minha, puxou a cadeira e se jogou nela, estava íntima, não demorou muito para o sujeito retornar e puxá-la novamente, desta vez ela se negou, recolheu o cotovelo com rapidez indicando que não queria ir, o sujeito insistiu e a puxava cada vez mais com violência, arrastando a cadeira, a discussão dos dois criou um tumulto, uma situação desagradável para mim, a minha mesa se transformou numa “casa sem dono”, estava me sentindo sem “moral” (no puteiro? Imagine!) todos mandando, e eu, ali no centro calado, foi quando resolvi interferir com o sujeito, dizendo-lhe que se ela não queria dançar, que ele fosse embora e pronto! O sujeito olhou enfezado mas largou o braço da “menina” e saiu, aproveitei e pedi que ela também se mandasse.

Sem que eu percebesse, o vagabundo que puxou a garota, estava se agrupando pelas minhas costas cochichando com outros marginais para me atacarem, já estava se formando um grupinho, um incentivando o outro. Nesse instante ouvi, mesmo com o som alto, uns sibilos cruzados no ar, mais rápido que o som, que estalavam em cheio de encontro a alguém, tomei o maior susto, a coisa era bem pertinho dos meus ouvidos, a cada lapada era acompanhada de gritos curtos de duas vogais, repetidos como estribilho. Pela intensidade da dor uns gritos até duravam mais tempo que os outros. Me virei e vi o borracheiro junto com o mecânico, este último ainda com o lance no ar. Eles haviam me seguido, como conheciam o lugar achavam que eu estava me metendo numa barra pesada para ir sozinho, se mantiveram discretos o tempo todo, acompanharam toda a ação de perto sem se mostrarem, como verdadeiros guarda-costas, observaram os caras já me cercando, e eu, inocentemente olhando o forró que ficava cada vez mais animado. De repente, os dois amigos com seus “cabos de amarrar corno” como diziam (cabo elétrico, grosso, duplo, trançado nas duas pernas, igual as tranças do Obelix), feito espadas, desceram as lapinguachadas nos lombos dos caras, sem dó e piedade, foi peia que tiveram que sair catando os caras pelo chão, uns se esconderam debaixo das mesas, outros saíram engatinhando porta à fora, mesmo assim a peia comia adoidado nos seus lombos, devem ter ficado com cicatrizes horríveis nas costas, fugiram feito ratos escorraçados. Pensa que o forró parou? Que nada! No dia seguinte, na rodinha de cuscuz eles me contaram essa parte da história que eu não sabia, agradeci aos amigos. Aliás, sobre o forró Espoca Chato, não voltei mais por lá, quem quiser espocar seus chatos que espoquem sem mim.

Molar
Enviado por Molar em 04/06/2022
Reeditado em 04/06/2022
Código do texto: T7530378
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