O PAPAGAIO FOFOQUEIRO

Sempre naquela hora que menos esperamos. A verdade dolorosa que o ser humano reluta em aceitar, embora alguns festejem como se tivessem ganhado na loteria. Sei que é pecado desejar a morte de alguém, mas ninguém tem sangue de barata e o juízo vai embora ligeiro igual salário de pobre. Enfim...a morte é única prova que ninguém será reprovado.

Toda Bocaiúva estava reunida na Paróquia Senhor do Bonfim para mais uma missa fúnebre. Aparentava ser uma festa de tão organizada que estava. Até o Padre Olegário que nunca trocava aquela batina encardida adotou uma nova vestimenta eclesiástica. O sacerdote rezava seu sexagésimo terço, dividido em trinta Pai Nosso e trinta Ave Maria. Aí você imagina que o (a) defunto deve ter sido muito amado(a) em vida, né?

Não era exatamente uma pessoa, mas sim o Lourival, o papagaio do Seu Januário. O velho, apesar de ser muito rico, era muito pão-duro e vivia brigando com sua esposa, Dona Constância. O povo comentava que essa rivalidade era por causa do amor incondicional que o velho tinha pela ave, talvez mais que do que pela própria esposa. Seu Januário fazia tudo por Lourival, nunca saía de casa sem que seu fiel escudeiro estivesse presente. Até encomendou um caixão de ouro, sob medida, para que o mascote descansasse em paz e exigiu que fossem rezados sessenta terços em homenagem aos seus anos vividos. Seria uma linda história de amizade se não fosse por um detalhe: Lourival era a ave mais fofoqueiro que já existiu.

Não havia um segredo que Lourival não soubesse. Era uma bomba relógio que detonava tudo e a todos. Ninguém estava naquele velório à toa. Quando souberam do óbito, fizeram questão de marcar presença para conferir de perto, até porque o velho Januário ameaçou meter o louco caso não comparecessem. Aí de quem falasse alguma coisa sobre o papagaio. Com aquela carabina nas costas, teríamos um velório coletivo.

O Padeiro Afrânio, casado com a Dona Mariquinha, tinha pavio curto e controlava toda a produção de seu negócio fornecendo delícias do trigo. Mas a noite, quando a esposa já estava dormindo, dava um show na discoteca como uma verdadeira drag queen. Mas Lourival sabia disso...

A Viúva Mirna vivia na Paróquia. Por onde andava era vestida de preto com um logo véu cobrindo a cabeça e dizia que o falecido era sua única motivação de vida. Quem vê cara, não vê coração e o coração da viuvinha já mudou de dono e foi ligeiro. Todas as noites ela encarnava uma bela odalisca nos braços do Prefeito Ventura e embarcava no tapete mágico do amor. Mas Lourival sabia disso...

O Cego Tirulipa estava sempre no banco da praça, com sua gaita desafinada e a inseparável camisa do Corinthians que tinha mais buraco que tábua de pirulitos. O que ninguém sabia era que o miserável não era cego de verdade, apenas fingia pra ganhar esmola sem muito esforço. Mas Lourival sabia disso...

O Padre Olegário visava somente o lucro material para angariar fundos para sua aposentadoria. Por isso aceitava qualquer tipo de negociação, até mesmo velar o corpo do papagaio em troca de um bom capital. Mas a verdade mesmo é que Lourival sabia de coisas sobre o sacerdote que se estivéssemos na Idade Média, já teria sido condenado a fogueira sem dó. Mas será que com a morte do fofoqueiro número 1 de Bocaiúva, os segredos mortíferos ficariam em sigilo eterno?

Existe um ditado que diz que alegria de pobre dura pouco e aquele povo estava prestes ver o circo pegar fogo. Chegara a hora de “enterrar" Lourival e o dono se acabava em lágrimas. A cara de limão azedo da Dona Constância denunciava a irritação dela pela demonstração de amor de seu marido diante do corpo do amigo de pena. Ela não se conformava em ser trocada em hipótese alguma. Mas também...beleza e simpatia nunca foram seu forte. Muito se perguntavam se Seu Januário havia se casado ou pagado promessa , porque se for promessa, pode largar que o santo perdoa.

Mas o espírito obstinado e delator de Lourival, desconsiderando o poder da reza braba, não partiria em paz sem deixar sua cartada final. As luzes da Paróquia começaram a piscar insistentemente e um vento gélido arrepiou até espinha do Prefeito Ventura, que se auto titulava corajoso, mas morria de medo da esposa descobrir suas aventuras noturnas. Eis que surge diante do caixão fechado, a figura de plumagem macia, cores vibrantes e narinas escuras. Sim, era ele! Aquele que todos temiam.

Com sua postura sarcástica, o espírito de Lourival detonou geral:

- O Padeiro Afrânio foge toda noite pela janela e vira a drag queen! A Viúva Mirna de religiosa não tem nada! Ela se encontra toda noite com o Prefeito Ventura. O pior cego é aquele que não quer ver e o Tirulipa vê até demais. Já se perguntaram como ele sabe que o Roger Guedes tatuou o troféu do Brasileirão na perna direita?.

- Agradeço ao Padre Olegário pela missa, mas a verdade é que ele só tá interessado no dinheiro oferecido pelo meu dono e também pra esconder sua homossexualidade. Quero só ver o que o Bispo vai achar disso....

Após o longo discurso perturbador, o espírito desapareceu misteriosamente como se nada tivesse acontecido. Todos estavam incrédulos e o padre Olegário, em vez de surtar, soltou um riso nervoso e exclamou com um tom cômico:

- Ah, Lourival, você sempre foi um papagaio de língua afiada, até mesmo além-túmulo. Parece que o céu ganhou um novo mestre de cerimônias!

Lírio Reluzente
Enviado por Lírio Reluzente em 02/06/2022
Reeditado em 01/09/2024
Código do texto: T7529429
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