SEU JATOBÁ E OS HABITANTES DE AUSTIN

Austin é um distrito de Nova Iguaçu. No passado era uma fazenda, um imenso laranjal. Seu nome deve-se ao fato de em 1896 ter chegado ao local uma ferrovia cuja linha foi projetada pelo engenheiro Charles Ernest Austin.

O distrito é bem populoso, de gente hospitaleira, trabalhadora e sofrida, assim como os demais moradores da Baixada Fluminense. Pessoas de todos os cantos do Brasil que escolheram este pedacinho do Rio de Janeiro para fixar moradia, e montaram comércios prósperos.

Lugar excêntrico, onde o as ruas parecem com as ruas da Índia, devido as pessoas terem a mania de andar disputando a rua com carros, caminhões, ônibus, carroças e bicicletas. Uma loucura! Outra esquisitice dos moradores é tocar fogo no mato em dias de sol forte. Há também lá muitas figuras hilárias. Um que se destaca é o cearense Seu Jatobá. Ele é motorista de van ( transporte alternativo ), bonachão, irreverente, e que sabe da vida de todo mundo. Ele lembra com muito carinho e orgulho quando chegou ao Rio. Sem conhecer ninguém, mas desenrolado como ele só, em pouco tempo já estava empregado, trabalhando de auxiliar de cozinha num restaurante chique no Leblon. Foram quinze anos nos restaurantes da zona Sul da capital fluminense. Juntou uma grana boa e comprou um terreno em Austin, bem localizado nas proximidades da Rodovia Presidente Dutra. Ali começou a construir sua casa, seu "castelinho" como ele costumava dizer. Até sua filhinha de cinco anos " contribuiu" dando uma força na obra: a princesinha Dandara assentou um tijolinho na parede.

Esta é a trajetória deste simpático nordestino: assim que chegou do Ceará, Seu Jatobá ( então um jovem de 23 anos ) morar num quartinho na Favela da Mangueirinha, em Duque de Caxias. Depois de perambular pelas ruas e calçadões da Baixada, sendo morador de rua e catando recicláveis, conheceu um conterrâneo, que passou a ser o seu parceiro, e se tornou mais que amigo, quase um irmão. Edinaldo, mais conhecido como Naldinho,era cearense de Sobral. Tinha a mesma idade de Jatobá, e era pai de uma menina de oito anos. Ele não chegou a conhecer a criança, pois ela foi fruto de uma aventura. Ele, imaturo, com medo de levar uma surra do pai da garota ( o velho era matador de aluguel ) foi embora, vazou de madrugada no primeiro ônibus pro Rio. Seus pais o ajudaram a fugir, embora a princípio tivessem sido contra a ideia de fuga do jovem.

Jatobá olha nos olhos do amigo e percebe que ele é triste por conta da solidão e arrependimento por não ter lutado e enfrentado tudo para ficar com a família. Os dois nordestinos tinham histórias parecidas de sofrimento. Jatobá nasceu em um lar desestruturado, onde reinava o vício, a violência. Só que na adolescência, ele colocou dentro de si que não iria pelo mesmo caminho de vício que seu pai, que morreu juntamente com a esposa ( Seu Otoniel já de " cara cheia " resolveu afrontar o pai de Lúcia, a garota que Jatobá engravidou, chamando-o de velho frouxo , coronel de arma mole. Sildovânio não deixou barato as provocações e executou na calada da noite os pais de Jatobá. " Essa família atrevida merece morrer. Já que não matei o filho, matei os pais!". Jatobá então decidiu que não iria deixar que as tristezas e o drama marcassem mais sua trajetória. Jatobá tomou outro rumo, um caminho abençoado por Deus. A alegria hoje é sua marca registrada. A última vez em que chorou e sentiu melancolia foi quando seu melhor amigo Naldinho morreu alvejado por cinco tiros, quando saía para o trabalho logo cedinho. Ele, desgostoso da vida, tinha se enveredado no submundo das drogas. Pagou com a vida a dívida com os traficantes. Após perder o amigo, Jatobá teve que sair da favela pois corria risco também de morte. Então, ele foi refazer sua vida em Austin. Tinha ido lá somente uma vez quando comprou um porco, no sítio da Estrada de Carlos Sampaio. Era para a festa de aniversário de um ano de sua filha. Jatobá levou o porco grande e gordo no ônibus até Caxias, o animal sangrando e sujando todo o veículo. Jatobá era um cara que não tinha vergonha nenhuma, daqueles que não estão nem aí para o que dizem. O motorista reclamando e Jatobá segurando o porco e dizendo: "Povo cheio de frescura! " e dando gargalhadas. Jatobá ainda teve a cara de pau de pedir ao motorista que o deixasse na porta de sua casa, fazendo-o sair do itinerário.

Este é o Jatobá, alegre, trabalhador, sonhador, família, as vezes folgado, observador, meio fofoqueiro.

Ele foi morar em Austin somente com os três filhos ( dois meninos e uma menina ). Sua esposa morreu no parto do filho caçula Ícaro. Lá no distrito de Nova Iguaçu, ele ,que já tinha carteira de habilitação, entrou numa cooperativa de transportes para trabalhar de motorista de Kombi. Lá fez muitas amizades, colocou apelidos em quase toda a gente.

Austin é o lugar dos excêntricos!

Tem a Madame Juju, uma jovem senhora que se imagina muito rica e apresenta um comportamento esnobe. Sai falando sozinho e dando esporro no vento. Tem também o John Fiscal, que acalentava o sonho de ser motorista de ônibus. Mas infelizmente após perder os pais passou a apresentar transtornos psiquiátricos, e hoje vive nas ruas. Fez amizade com os motoristas de ônibus, ganhou uniforme da empresa e passa o dia " trabalhando" de fiscal. Quem vê até pensa que realmente se trata de um funcionário.

Outra moradora ilustre é a Maria Luciana, dançarina de funk e que ama também cantar. A jovem de dezoito anos tem uma voz muito bonita, é inegável o seu talento. Chegou a fazer algumas apresentações nos clubes e sítios da região usando o nome artístico de Mary Luh. Mas é uma pena que a mocinha também sofre de transtornos. Maria, na verdade, é instável. Não sabe o que quer da vida: um dia fala que quer ser cantora ( até se inspira em cantoras famosas), no outro dia quer ser bombeira, depois quer ser auxiliar de escritório. O que ela quer mesmo é ser importante, ter seu nome falado na mídia. Isso ela ainda não conseguiu, mas na boca do povo de Austin seu nome já foi falado. Maria é barraqueira, não para com homem nenhum. Pois ela grita e manda nos homens, tira foto sensual na internet e ai do homem que achar ruim! Maria é um problema!

Seus irmãos também são problemáticos, são viciados na cachaça, trabalham de nos sítios de jardineiros e serventes. Pegam qualquer troquinho e gastam com a cana.

As vezes dormem na rua. Que vida sofrida!

Uma senhora chamada Ana Lourdes, na juventude já foi prostituta. Conheceu o marido na Bahia e depois veio pro Rio. Ela vem a ser mãe de Maria Luciana e de seus irmãos. É uma senhora invocada, fuma cachimbo, as vezes fala com as pessoas, as vezes não fala. É separada do marido, Seu César Teixeira. Ele é um ancião sonhador, paquerador. Mora na entrada de Austin. É amante do brega, saudosista dos antigos boleros! Também fuma cachimbo. Seu lazer é sentar ao portão de casa e ficar observando as " modas" e ouvindo os clássicos da música romântica dos anos cinquenta.

Austin tem muita história. Tem história de uma idosa que anda com uma boneca que encontrou no lixão e diz a todos que é sua filha. Ela adotou Suzana. Cuida de Suzana como uma mãe de verdade!

Seu Jatobá é amigo de toda esta turma!

Ele dirige cantando forró, recitando alguns versos matutos, manda as fofoqueiras de plantão entrarem para casa para não queimar o feijão. É amigo dos jovens, das crianças. Ele aconselha, pede que os jovens andem na linha. Seu Jatobá tem sua Kombi como sua melhor amiga. Quando algum passageiro suja o veículo ele fala um monte!

Até o ouvido da pessoa doer!

Outra coisa que o irrita é quando o passageiro está com muitas bolsas de compras e não paga logo a passagem, e quando desce ainda lhe paga com uma nota de grande valor. Seu Jatobá é legal, é amigo, mas é meio impaciente.

Seu Jatobá é como todos nós, é alegre e inconformado com o caminhar da humanidade.

A alegria, a loucura, o trabalho e sonho são estradas que a vida nos apresenta. Administrar problemas é um passo para a loucura. Resolver problemas é uma porta que se abre para sairmos do conformismo, e a janela aberta faz adentrar o frescor da paz. A paz interior é o diferencial, por isso Seu Jatobá não aceitou seguir trilhas tenebrosas.

Eu apresento a todos: Austin,

onde os sonhos habitam a alma dos seus habitantes.

Austin, o retrato do Brasil.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima )

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 27/05/2022
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