Histórias de João Mentiroso
Nas pequenas cidades do interior é comum que quase todo mundo se conheça, mas sempre há aqueles que todos conhecem devido às suas profissões ou suas características peculiares: o estudioso; o mais feio; o fazendeiro rico do lugar; o dono do armazém; o farmacêutico e assim por diante. Na cidade de Nerópolis, lá pelos anos setenta, um de seus moradores se destacava pelos exageros em tudo que falava: era o senhor João Mentiroso. Ele recebeu esse apelido ainda menino, pois desde pequeno aumentava tudo que ia falar e nunca perdia uma oportunidade de contar uma mentira. Já nem se importava mais em ser chamado de mentiroso.
Em mil novecentos e setenta, houve um inverno muito frio e alguns moradores da cidade se encontravam reunidos no armazém do senhor Amaro Baiano, ouvindo o relato do fazendeiro José Miranda sobre a geada que caiu durante aquela noite. O frio foi tanto que queimou as folhagens do seu cafezal e a produção daquele ano seria prejudicada. Enquanto conversavam, chega João Mentiroso, vestindo camisa regata, reclamando do calor. O fazendeiro José Miranda, sem acreditar no que estava vendo, foi logo dizendo: --- Toma vergonha, João Mentiroso! Todo mundo está vendo que você está forçando a barra, fazendo de conta que não sente frio! Está tremendo feito vara verde! O João nunca dava o braço a torcer e foi logo se justificando: --- Mas é verdade, gente! Vocês não sabem o que me aconteceu nesta noite. Eu não sei se era a minha pressão alterada ou se foi a febre que senti, mas a verdade é que eu sentia um calor adoidado e suava feito tampa de panela quente. Fui para o quarto e tentei dormir... O sono não vinha e me foi dando uma agonia. O quarto abafado, eu estava inquieto. No meio da madrugada, resolvi tomar um banho frio para ver se melhorava. As toalhas lá de casa estavam todas molhadas e eu tive que ficar pelado lá no quintal, secando no vento. Depois de uns quarenta minutos, voltei para dentro e só consegui dormir dentro da geladeira. Vocês podem até não acreditar, mas foi uma noite muito difícil para mim. João Mentiroso nem mudava de cor para dizer tantas asneiras. O fazendeiro José Miranda retruca: --- Ora, João, vai te lascar!!! Hoje pela manhã, quando me levantei, as galinhas lá da fazenda estavam ciscando na neve que caiu na madrugada e você me vem com essa conversa! João Mentiroso replica, sem titubear: --- Não duvido do senhor, não, seu José. Só lá no quintal de casa eu juntei trinta e oito sacos de gelo. E se voltando para o dono da venda: --- Seu Amaro, me vê aí um litro de conhaque com gengibre que eu estou indo para casa colocar os pés num saco daqueles para dar uma refrescada nesse calor doido. Agora vocês me dão licença, que eu tenho que ir!
A caminho de casa, João Mentiroso vai passando pelos moradores que ficam admirados de vê-lo com aquela vestimenta. Ao passar pela pracinha da cidade, alguns amigos se aqueciam juntos a uma fogueira improvisada com papelão e uns pedaços de madeira. João se aproxima e um dos amigos vai logo dizendo: --- Sente frio não, doido! João mentiroso diz que é uma longa história, mas que agora não tem tempo e precisa ir para casa. O amigo insiste e diz: --- Conta uma mentira para a gente aí, só para esquentar o frio! Agora não dá, retruca João, dizendo que sua sogra não aguentou o frio e morreu na madrugada. Tinha que chegar logo em casa para organizar o velório.
A cidade era pequena e a notícia da morte de dona Eufrasina, sogra de João Mentiroso, espalhou-se rapidamente, como fogo num rastilho de pólvora. Todos estavam chocados! Dona Eufrasina era uma pessoa tão boa, fazia umas quitandas, como ninguém, diziam os amigos. Logo, as irmãs da igreja estavam prontas para o velório, com seus véus pretos na cabeça e terços de contas de lágrimas. O fazendeiro José Miranda, amigo chegado da família, foi ao cemitério e ordenou a abertura da cova para o sepultamento. O vigário da paróquia foi chamado para a missa de corpo presente e uma coroa de flores, com dedicatória e tudo, foi providenciada. Todos participavam, de uma maneira ou de outra.
Era final de semana e, nestas ocasiões, dona Eufrasina costumava receber em sua casa seus filhos e netos. Eram oito filhos e vinte e quatro netos e netas. Ela era uma quitandeira de mão cheia e não media esforços para fazer seus bolos, doces e biscoitos com fartura, para todo mundo. Nestes dias, a casa parecia estar em festa. Dona Eufrasina estava terminando de assar uns pães de queijo quando a casa foi quase que invadida por um monte de gente com coroas, velas e tudo, para o seu velório. A surpresa foi geral!!! Foi um bafafá danado: --- Quem disse? Como foi? Quando, por quê? Até que chegaram ao João Mentiroso. Dona Eufrasina começou a passar mal. De repente, no meio da confusão, quem aparece para o lanche da tarde? Ele mesmo, o João! O povo, enfurecido, queria linchá-lo! Corre daqui, corre dali, João consegue escapar pelos fundos da casa e ainda sai resmungando: --- Povo ignorante, me pediram para contar uma mentira e agora essa revolta toda! Quem é que entende, só por causa de um velório!!! João Mentiroso não tinha jeito mesmo, era um inconsequente!!! Depois de tudo, veio a calmaria e dona Eufrasina convida todos para o lanche da casa. A paz reinou novamente.