ESTA AQUI É DO MEU TIO

Há mais de quinze anos, quando me aposentei e fui morar na fazenda do nosso primo Edmar Borges, no Morro da Mesa, tive a grata felicidade de conviver um pouco mais estreitamente com a tão querida tia Otamira. Ela era um poço de bondade, passávamos horas sentados naquela varanda da cozinha na velha casa da fazenda, quando eu a cutucava em busca das histórias da Familia Freitas: vovô Maneco e seus quinze filhos. Nessas ocasiões, bastava que lhe perguntasse sobre algum fato, para que que ela o esmiuçasse com todas as riquezas de detalhes, pois, apesar da idade avançada, ainda tinha uma memória privilegiada. Então, eu tenho um farto material, suficiente para escrever um livro, se tivesse tal capacidade, mas, me contento em registrar apenas alguns mais engraçados.

De um deles, ela me disse que não se lembrava direito, mas que tinha acontecido entre o tio Olavo e o vovô Maneco. Falou meio que por cima sobre o assunto, e prometeu que tentaria buscá-lo em seu baú interior, porém, por outra feliz coincidência, não demorou muito, e um dia chegaram o tio Olavo e a tia Julia. Enquanto eu lhes preparava o almoço, me lembrei do causo, e lhe perguntei. Nisso, ele já caiu na risada, e logo iniciu a narrativa.

- "Eu devia ter uns dez, ou doze anos, no máximo. Estávamos sentados no alpendre da sala, onde ele ficava sempre naquela cadeira de lona só dele, quando surgiu uma porca "ruça", que andava desaparecida há alguns dias. Sabia-se, pelas características que apresentava, que a mesma tinha dado cria no mato, e lá escondeu os leitões. Então, ele me mandou segui-la de perto, até que encontrasse o seu ninho, e que não voltasse sem trazer os bichinhos.

"Ordem dada era ordem cumprida, e lá fui eu atrás da porca, levando um balaio de taquara. A danada negaciava, dava grandes voltas, parava para comer uma raiz qualquer, ou alguma coisa que encontrasse pelo caminho. De tal forma que a perseguição durou várias horas, eu me escondendo da porca, e ela tentando me enrolar. Andamos por vários locais, lhe dei espigas de milho, esperei que bebesse soro no cocho, não me descuidei em nenhum momento dela. Até que o instinto de mãe falou mais alto, ela saiu a trote acelerado pelo quintal, atravessou o córrego, e finalmente dirigiu-se na direção de um brejo, através de um trilho meio escondido no meio da vegetação. E eu atrás, atento e excitado.

"Logo ela se deitou, para que os leitõezinhos pudessem saciar a fome, e foi aí que eu não me contive, fui logo pegando um e jogando dentro do balaio, mas o talzinho abriu um berreiro medonho, então, a "fera" se levantou e partiu prá cima de mim, com os dentes arreganhados. Saí em desabalada carreira, e ela no meu encaço, ameaçadora e rugindo a sua ferocidade. Não tive outra alternativa, o jeito foi pular dentro de um poço mais fundo, sendo que ali fiquei, até que a mesma retornasse para junto dos seus. Foi aí que decidi reornar à casa e contar o sucedido ao papai. O velho ficou pocesso, me chamou de moleirão e outros adjetivos mais cabeludos, pegou um chicote e exigiu que o acompanhasse até lá.

"Quero ver quem é que pode mais: se é um homem, ou se é uma porcaria de porca metida à besta, aaaraaa se tem base um negócio desses, viu!" - alardeava o papai, zangadíssimo.

"Indiquei-lhe a moita de assa peixes onde ela escolheu para fazer o seu ninho, e já fui tratando de me defender por detrás de uma árvore maior, que eu não sou nenhum bobo, né!

"O velho já chegou, chegando e arrotando bravatas, além de desferir seguidas chicotadas no animal, numa tentativa de "exigir mais respeito" com ele, pois não era um molecote que estava alí, e sim um homem, ora! Ah, não deu outra! A porca virou onça e partiu com tudo para cima do velho, e ele lá, desferindo bravas chicotadas na cara dela. Só que ele, correndo de costas no meio daquele emaranhado de capins, acabou caindo de costas, a bicha montou em cima, e foi desferindo-lhe ferozes dentadas nos braços e pernas, principalmente. Até que o animal se cansou do ataque, e retornou para junto dos seus, de onde continuva soltando fortes grunhidos de raiva.

"Nessas alturas, eu já estava trepado na árvore, ainda bem, porque o papai passou sem me ver, pois era capaz de descontar em cima de mim, principalmente, se tivesse visto que as minhas calças estavam completamente molhadas de urina, que deixei escapar enquanto tentava segurar a vontade de rir, rir à toda, mas não podia, claro!

"O maior problema foi que eu não conseguia segurar aquela vontade maluca de rir, e o único jeito foi passar o resto do dia escondido do velho, pois apanharia muito, com absoluta certeza, se o fizesse. Também, não ousei contar nada a ninguém, mas agora já posso, né?" - finalizou tio Olavo, se contorcendo em gostosas risadas.

(Não faz muito tempo, pouco mais de um mês, que estive na casa deste tio querido, quando voltei a tocar no assunto, as risadas dele valeram a pena, e como!)

Ronaldo Jose
Enviado por Ronaldo Jose em 06/05/2022
Código do texto: T7510617
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