JORGE, O FAZENDEIRO

Jorge ficou muito rico ao ganhar numa loteria da Caixa, e resolveu comprar e montar uma fazenda modelo na pecuária de leite na região do triângulo mineiro. Ele tinha seis primos que herdaram e dividiram uma propriedade de seus pais, onde teimavam em sobrevier de suas áreas, até que dois optaram por lhe venderam as terras, e ele queria que os demais aderissem a uma parceria com ele, em benefício de todos. Então, convidou dois de seus filhos para trabalharem juntos. Roberto era técnico agrícola formado, mas ainda não trabalhava naquilo que gostava, e Francisco era apaixonado por tratores e máquinas, com alguma experiência prática, já que o seu pai tinha um antigo Volvo quase caindo aos pedaços.

Após os minuciosos planejamentos que fizeram, era preciso que comprassem os tratores e implementos, e saíram à procura desses itens na região, quando chegaram a Uberlândia. E foi lá, numa revenda dessas máquinas, que eles conseguiram tudo o que havia de melhor nesse segmento, além dos melhores preços. Também foi no local que ele conheceu Beatriz, a gerente da concessionária, uma mulher de meia idade, como ele, muito simpática, e logo iniciaram um flert, enquanto negociavam.

Na verdade, se encantaram mutuamente, e, conversa vai, conversa vem, acabaram marcando um programa naquela mesma noite, quando iriam a uma boate local, O Aconchego, onde havia música ao vivo, era possível dançar, sem contar que serviam um jantar à lá carte da melhor qualidade, além de bastante variado. Por sugestão dela, ele topou que convidasse duas primas suas, bem mais jovens, com a intenção de que as moças fizessem companhia aos dois rapazes. Ambos, apesar de terem boa aparência, eram bastante tímidos, já que, embora tivessem estudado algum tempo, sempre viveram na roça, como os pais.

- Mas, patrão, nós nem temos roupas condizentes com um ambiente daqueles, hein! Imagina, se vamos fazer feio com as moças! – replicou Roberto, quando voltavam ao hotel em que estavam hospedados, já tentando escapar daquilo.

- Ora, isto é o de menos, pois, quem comprou tudo aquilo, à vista, tem condições de “bancar” a gente, sem problemas, né? – emendou Francisco, zombeteiro e mais interessado.

- Bem, para todos os problemas sempre existem várias soluções, inclusive a morte, pois nos dias atuais já é possível que a pessoa seja cremada, ou então enterrada, concordam comigo? Neste caso a coisa é muito simples, eu lhes faço um adiantamento por conta de seus salários. – propôs o chefe, mesmo sabendo que os jovens não tinham o costume de gastar nada com qualquer extravagância daquele tipo.

Ou seja, os dois eram considerados uns tremendos “mãos de vaca”, mal compravam as suas principais necessidades, mesmo porque, o dinheiro era escasso, não dava para abusar nem um pouquinho, pois os seus rendimentos eram quase insignificantes. Na verdade, o que Jorge pretendia era lhes proporcionar alguns bons momentos de lazer, já que na semana seguinte iniciariam os trabalhos, e não teriam muito tempo para tal prática. Além disso, seria conveniente que se ocupassem das primas de Beatriz, principalmente, porque ele queria ficar mais à vontade com ela.

Foi então, que ele deu duzentos reais a cada um, sugerindo que fossem ao Shopping e comprassem roupas mais apropriadas para o evento daquela noite. Não tinha a intenção de lhes cobrar nada, mas deixou o assunto de lado, só para ver o que aconteceria.

Francisco tinha dois irmãos que moravam na cidade, foi até a casa dos mesmos e pediu-lhes roupas emprestadas, já que todos tinham quase que as mesmas medidas. Porém, Roberto era bem menor do que os primos, nada ficou bem nele, e por isso não teve como evitar a compra, mas, se pudesse, bem que alugaria em alguma loja do ramo. O fato é que chegaram ao hotel já vestidos, quase na hora combinada com as moças.

Feitas as apresentações de praxe, e ainda num clima meio retraído pelo sem jeito deles, todos se sentaram à mesa previamente reservada por Beatriz. As duas moças bem que tentavam ajudar, na intenção de deixá-los mais à vontade, mas a tarefa não era nada fácil, mesmo depois de decorrido algum tempo. Os rapazes mal respondiam às perguntas delas, ninguém topou dançar, só Jorge e Beatriz se arriscavam de vez em quando, na pista, já completamente envolvidos.

Foi então que Jorge inventou de passar um aperto na dupla, assim que o garçom lhes entregou o cardápio da casa. Até ali, vinham bebendo cerveja, moderadamente, enquanto os quatro mais jovens preferiram os refrigerantes, sucos e energéticos.

- Bem, gente, cada um escolhe o que vai comer, e, não se preocupem com os valores, pois hoje o pagamento será por conta do Roberto e do Francisco, claro, em comemoração pelos nossos planos. Tudo bem, rapazes? – propôs Jorge, com a única intenção de quebrar o gelo.

- O loco, chefe! – reagiu Roberto, assustado.

- Uai sô! Isto não estava combinado, hein! – emendou Francisco.

- O problema é de vocês, se virem, pois não são quadrados, não é?

Todos entenderam que aquilo era uma brincadeira, exceto os dois. E então pediam o que havia de mais caro na boate, sendo que as três mulheres passaram a beber champanha, Jorge pediu um litro de Whisky fechado, mas eles continuavam assustados, quase nem falavam. Na hora de escolherem os pratos, foi ainda pior, optaram pelo bom e sofisticado, enquanto que os rapazes se contentaram com porções de batatas fritas, bem mais baratos.

O patrão ainda brincava, sugerindo-lhes mais coisas caras, mas ambos se mantinham em pânico, imaginando como fariam para pagar tamanha despesa, com certeza, bem maior do que o salário deles, juntos. Ou seja, não aproveitaram quase nada da noitada, muito pelo contrário, estavam arrependidos por terem topado o convite do chefe.

Lá pelas tantas, as meninas os puxaram para o meio do salão, quando a banda atacou com músicas de axé e forró, mas Jorge e Beatriz preferiram aproveitar a ocasião para conversarem um pouco mais. Foi quando ela o censurou pelo que estava fazendo com os moços. Estava condoída deles.

- Você é muito malvado, cara! Coitado dos meninos! Você não vê que estão sofrendo com esta situação?

- Sabe o que é, Bia? Eu nunca gostei de pessoas “reguladas”, tudo certinho, entende? No caso deles, hoje lhes dei duzentos reais, cada, para que fossem ao shopping e comprassem roupas, mas o Francisco pediu emprestadas aos irmãos. Já o Roberto até que comprou uma camisa, embora de péssima qualidade. Deve ter custado no máximo uns trinta ou quarenta reais.. Preferiram poupar e me devolveram a grana quase toda!

- Para mim, isto demonstra que são honestos, ora! – retrucou ela.

- É verdade, mas exageram demais, sabe? Eu os enviei para que fizessem um curso de férias, em Lavras, sobre utilização e manutenção de equipamentos, com tudo pago, por minha conta. Para que pudessem sair com os colegas, dei a cada um duzentos reais. Não saíram, ficaram o mês inteiro nos alojamentos, e na volta me devolveram o dinheiro, intacto! Você não acha que exageram demais na honestidade?

- Ora, no seu ponto de vista, pode até ser, mas, no deles, esta quantia é dinheiro demais, e não lhes pertence. Você precisava entender, não acha? O mesmo aconteceu hoje, com relação às roupas, concorda?

- Não, absolutamente não! Eu também já fui jovem, e passei muita vontade de ter muitas coisas, como por exemplo, uma motocicleta, porém, por ser honesto demais, acabou que nunca consegui ter uma! Até tive várias ocasiões, mas tive medo de ficar devendo e não dar conta de pagar as prestações, apesar de nunca ter ficado desempregado.

- Sim, eu lhe entendo, porém, é diferente você “conquistar” com o próprio esforço, ou ganhar o seu desejo de alguém que eles mal conhecem, não é?

- Veja bem, nós temos métodos diferentes, eu e você, para conseguirmos os mesmos objetivos. O meu é assim, aprendi quase tudo apanhando da vida, e sendo colocado em situações embaraçosas. Já levei vários tombos, já reagi diversas vezes, já briguei muito pelos meus objetivos, mas sempre aceitei que as pessoas me ajudassem! Eles não aceitam, encaram o fato de eu ser o patrão com reservas, e disso eu não gosto! Prefiro que sejamos parceiros, podemos brincar, dizer e fazer tolices, tudo tem a sua hora!

- Tudo bem, você é mais experiente, mas não judie tanto dos meninos, né! Já são quase três horas, esta é a última seleção. Vamos pedir a conta?

- Vamos, sim! Mas, por favor, não conte a eles que eu paguei tudo, hein! Garçom, por favor! É o seguinte, cara: eu disse aos rapazes que eles pagariam as despesas, mas ela me convenceu a não deixar que paguem. Quero que me ajude na brincadeira, pode ser?

- Sim, claro, o freguês tem razão, sempre! – rsrsrsrsrs

- Traga a nota, por favor! Eu pago, e você jura que não paguei, certo?

- Combinado!

- Depois você diz a eles que, devido ao alto valor, gostaria que pagassem diretamente no caixa, OK? Combine tudo com a moça, direitinho, pois a minha intenção é deixá-los “quase” apavorados. O resto, deixe comigo ...

- Perfeitamente, senhor!

Não deu outra. Os quatro jovens retornaram à mesa, e nessa hora Beatriz aderiu, dizendo que precisava trabalhar logo cedo. Jorge disse aos rapazes que tinha se antecipado e pedido a conta, que era para evitar uma grande demora. Ambos ficaram atônitos pelo tamanho da mesma, pois não tinham tanto dinheiro, de jeito nenhum. Ou seja, estavam envergonhados demais, a única saída era pedir um empréstimo ao patrão, mas, como?

Jorge sabia que assim seria, e arranjou uma desculpa para ir ao banheiro, sendo acompanhado imediatamente, pelos dois. Lá, eles pediram o empréstimo, dizendo que cada um venderia uma novilha para pagar-lhe. Ali mesmo, ele preencheu outro cheque no valor da conta, e lhes disse que deveriam pagá-la no Caixa do estabelecimento.

Deixou que os coitados dos primos, além de arrependidos, também ficassem constrangidos ao máximo, mas nenhum perdeu a pose. Só que no Caixa, a moça encarregada, após fingir que tentava localizar o débito na máquina, lhes disse que estranhava bastante o fato de não encontrá-lo ali registrado.

- Uê, que coisa mais esquisita do mundo, gente! Não estou entendendo nada, viu! Só um instantinho, eu vou ver com o garçom, tudo bem? Claudio, foi você que atendeu a mesa desses moços? Essas comandas são suas, não são?

- Sim, são minhas, Paty! Algum problema?

- Não consta nada aqui, cara! Você sabe me explicar que negócio é este?

- Poxa, que baita confusão que eu fiz, meu Deus! O pai deles já pagou tudo, eu coloquei o cheque no bolso e me esqueci de lhe entregar, caramba!

- Como assim? Agora, que não entendeu nada sou eu! – reagiu Roberto

- Olha a cara do safado lá na mesa, primo! Ele nos fez de idiotas, e está curtindo com a nossa cara, isto que sim! – disse Francisco, já aliviado.

- Filho da mãe! Isto não vai ficar assim, não, viu!

- Deixa quieto, seu bobo! O mais importante é que não precisamos mexer no bolso, ora!

- Ah, é mesmo, você tem toda razão!

Ronaldo Jose
Enviado por Ronaldo Jose em 06/05/2022
Código do texto: T7510612
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