O MENINO CANDIEIRO

Lá nas Minas Gerais, região do Triângulo, vivia uma numerosa família de agricultores independentes, ou “por conta”, como costumavam dizer. Todos tinham suas terras, pouca coisa, que davam apenas para que cada um sustentasse os seus, geralmente, muitos filhos. Lavoura, só de café, cultivada nas matas tombadas, sem adubos e insumos. A maioria criava gado de leite, faziam queijos, e vendiam os machos para complementarem as suas rendas. Poucos tinham condução. Sempre que alguém precisava, lá estava o velho tio Sinhô Pereira, que fazia os transportes para a cidade, em sua caminhonete, um “Fordinho” já bem antigo.

Ali, quase todos eram parentes. Os avós paternos e maternos, tios e tias de ambos os lados, uma legião de primos e primas, sendo que uns ajudavam aos outros, trocando dias de serviços, conforme as necessidades. Agora, fazer festas para todos os santos possíveis, sempre com muita comida e bailinhos movidos a sanfona e violão, isto não podia faltar, de jeito nenhum. Enfim, havia muita união.

Geralmente, os adultos trabalhavam nos serviços mais pesados, mas os pequenos também tinham as suas “obrigações”. Como levar almoço e merendas para aqueles que estavam nas lavouras, ou outras atividades da lida. Também apartavam as vacas dos bezerros todas as tardes, tratavam dos porcos e galinhas, as meninas recolhiam os ovos e cuidavam da horta. Havia uma professora que lhes ensinava o básico, apenas o suficiente para que soubessem ler e escrever, além das quatro operações de matemática. Isto, era na parte da tarde, para os moleques, e pela manhã, para as meninas.

Foi assim que o Luiz foi escolhido para ajudar ao avô materno a lidar com o carro de bois, na função de candieiro, que era aquele que ficava na frente, como guia. Tinha por volta de dez anos, era esperto, e já tinha se “formado” na escola, porque ali ninguém pensava em estudar para nada, senão para ser fazendeiro. Assim, foi passar uns tempos no sítio desse avô, o qual levava madeira para proteger as covas do café que estava sendo plantado numa capoeira de cerrado, distante uns cinco kms. de onde ela era retirada. O velho Arlindo era bonachão, vivia brincando com todos, porém, era bastante exigente na hora do trabalho. Ele subia no cabeçalho do carro, de lá gritava com as juntas de bois, além de ameaçá-los com uma longa vara de ferrão, munida de chocalho. Também indicava os caminhos ao neto, e lhe cobrava a atenção com os bichos, para evitar acidentes.

- Luiz, presta mais atenção, moleque! Qualquer hora você vai acabar levando uma chifrada na bunda, viu! Onde já se viu, ficar distraído, desse jeito?

- Que nada, vovô! Estes bois são meus amigos, uai!

- Tá bom, vai facilitando as coisas, vai!

Descarregavam a madeira e já pegavam alguns sacos de café apanhados na lavoura velha, para serem levados ao terreiro para secagem. Ou seja, aproveitavam o tempo da melhor maneira, e assim o serviço fluía durante o dia todo, de cedo até à tarde, com pequenos intervalos para descanso, alimentação e troca das juntas de bois.

Aquilo era sempre a mesma rotina. Terminavam as tarefas num dos sítios, logo começavam num outro. Ou seja, era uma atividade constante. O moleque foi crescendo naquele ritmo, aprendeu muito com o avô, e até passou a gostar daquilo. Chegava a sonhar que estava na lida, e sempre gritava dormindo.

Quando chegou aos treze anos, eis que o avô, já idoso, faleceu de repente, e Luiz assumiu a posição de carreiro, agora, auxiliado por um mudinho, Tonho, um negro criado pela família, e que todos consideravam meio abobalhado, mas era muito forte, sendo muito útil na hora de carregar ou descarregar o carro. Todos respeitavam aquela dupla dinâmica, principalmente os bois, que obedeciam ao comando de ambos.

A maior alegria deles era aquele chiado que faz o contato da rodagem de madeira do carro. Aquilo parecia um lamento. Certa vez, o “bruto encalhou” no vau de um córrego, quando Luiz forçou a situação com os bois, aos berros e ameaçando picá-los com a vara de ferrão. Foi quando, num arranco, lá se foi um cocão traseiro, impedindo que o eixo das rodas tivesse tração. O moleque ficou desesperado, mas o Tonho logo veio com uma ideia salvadora: substituiram a peça quebrada por um da frente, até que saíssem do atoleiro. Deu certo, e logo depois, ele próprio fez uma outra peça, utilizando apenas um facão e um pedaço de madeira colhido no mato.

Aquilo gerou motivo de chacotas no seio da grande família. E fez com que o jovem decidisse estudar, optando por agronomia, e indo para uma Escola Agrotécnica na cidade de Muzambinho.

Ronaldo Jose
Enviado por Ronaldo Jose em 06/05/2022
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