NOS CAFUNDÓS DO JUDAS
Eu creio que as pessoas que apanhavam muito, quando crianças, acabavam se tornando adultos problemáticos.
Poucos escapavam dessa "sina", como o Alceu, um dos quatro irmãos que enterraram viva a irmã mais nova, logo após terem assistido ao funeral da avó, conforme relatei em "O rabo de tatu".
A menina acabou se suicidando anos depois, ao ingerir soda cáustica, por causa de um namorado. Isso a fez sofrer bastante, porque aquilo lhe queimou a boca, o exôfago e o estômago, impossibilitando-a de se alimentar, já que naquele tempo, anos 60, os recursos médicos eram bem escassos, principalmente para quem morava naqueles cafundós do Judas.
O segundo, Alcides, parecia um pouco mais esperto que os demais, apesar de ter-se casado com Nenzinha, a principal "fornecedora" de sexo a quem quisesse usá-la. E nem precisava insistir muito para conseguir os seus favores; bastava fazer-lhe somente um sinal qualquer, para que ela saísse procurando "ninhos de galinhas" nas moitas ao redor. Por essa razão, o Alcides vivia mudando de fazenda em fazenda, até que descobrissem as "qualidades" de sua esposa. Era ciumento e brigava com qualquer um, geralmente batia no sujeito, mas não levava desaforo para casa, nem tampouco "largava" daquela "bisca" danada.
Certa vez, estando ele tirando leite no curral, cismou que o patrão estava demorando além da conta lá dentro de casa, e com o pretexto de buscar a "binga" de acender o "pitipaia" pegou os dois em flagrante, em pleno ato, em cima de uma mesa de madeira na copa. Estavam ambos vestidos, ela apenas levantou a saia, nem calcinha usava mais, para facilitar as "coisas", enquanto que ele só abriu a braguilha para soltar o "pássaro" nervoso, e usá-lo naquela empreitada.
- Mas ... mas ... o que é isto, hein? - berrou, enfurecido, como se não soubesse do que se tratava.
- Cal ... cal ... calma, Cid! Não é o que você pensa, viu? - respondeu ela, assustada e com medo de apanhar, já que ele nunca tinha pego a mulher com a boca na botija.
- Ah, tá bom! Você quer dizer que estou doido, e que não vi direito, né? E o senhor, não vai falar nada, seu porco imundo?
- Olha aqui, rapaz, mais respeito comigo, hein! Aconteceu o seguinte: eu estava fazendo a barba ali na pia, quando ela chegou chorando, e disse que uma fagulha do fogão tinha caído em seu olho, então, estava só ajudando, soprando no olho dela. - desculpou-se o patrão, meio trêmulo de medo, também.
- Parece que vocês estão me achando com cara de palhaço, né? Quer dizer que "aquilo naquilo", que eu próprio vi com os meus próprios olhos não aconteceu, gente?
- O Sr. João está dizendo a mais pura verdade, nêgo! Veja como o meu olho está todo vermelho, veja! Tá certo que ele tentou me pegar, me jogou em cima dessa mesa aqui, mas não chegou a acontecer nada, não, porque eu só faço isso com você, viu?
- É o seguinte, Alcides: a gente pode chegar num acordo para acabar com essa briga, logo. Eu lhe dou duas bezerras para você escolher entre essas que estão no curral, tá? Embora não tenha acontecido nada de errado, mesmo, mas eu prefiro um mau acordo do que uma boa briga, sabe? Já que não confia em mim, rapaz, você está dispensado, e deve se mudar da minha fazenda o quanto antes; tem uma semana de prazo, nada mais! Você também me ofendeu, ao me chamar de porco imundo, mas isso fica entre nós, ninguém precisa saber, né?
- É pouco, eu quero mais! Além das duas bezerras, eu quero as mães delas também! Para não ver mais a sua cara nojenta, Sr. João, eu vou embora é já; é só o tempo de pegar os nossos "trens" e voltamos lá prá taperinha do meu finado pai. Nunca mais cruze o meu caminho, entendeu bem? Senão, eu posso me arrepender de ter deixado isto tão barato! Vambora, muié ...
Esta foi a primeira vez em que o Alcides "negociou" uma ofensa à sua honra, em vez de brigar. Nem foi por medo do patrão, bem mais velho e mais fraco do que ele, mas sim, porque gostou da proposta, e sabia que todos guardariam o mais absoluto segredo daquele vergonhoso episódio. Ambiciosos, ele e a mulher, em comum acordo, passaram a utilizar a mesma "tática" com os fazendeiros que contratavam os seus serviços como vaqueiro, dali em diante.
Ela logo se insinuava para os patrões ou seus filhos, e, por ter uma aparência razoável, um pouco melhor do que a maioria das mulheres por ali, sempre conseguia o seu intento, depois combinava com o marido uma maneira de "pegar no pulo" as suas conquistas. Com isso, o casal saía de cada fazenda levando vacas, bezerras, cavalos, ou qualquer outro bicho, para o ranchinho de pau a pique lá no pé da serra.
Já tinham um gadinho de bom tamanho, quando ele foi trabalhar para o Sr. Osório, considerado um velhaco de marca maior, além de metido a conquistador, apesar de seus mais de sessenta anos de muitos “trambiques”. O homem tinha fama de não pagar suas dívidas aos credores, apanhou de um vizinho por causa de uma trapaça, quando trocou algumas novilhas no pasto do outro, que haviam comprado em sociedade. Deixou lá vinte cabeças inferiores, e levou outras vinte superiores para a sua fazenda, mas o outro ficou sabendo e foi atrás, quando confirmou a falcatrua. Acabaram se pegando numa briga em que o “velho” levou a pior, apanhando de facão.
Certo dia, o novo patrão mandou que Alcides fosse “olhar” um gado que mantinha numa invernada alugada, e que ficava a uma certa distância da sua propriedade. Aproveitou a oportunidade para assediar Nenzinha, que já estava esperando por aquela ocasião para pegá-lo em mais uma das armadilhas do casal. Até que no começo fez de conta que não queria, mas ele insistiu com muita lábia, ela resistiu só um pouquinho, e chegaram às vias de fato, conforme havia planejado. Certo dia, lá vai o empregado, de novo, para o pasto, mas, fez que foi e voltou do caminho. Não deu outra: encontrou os dois na cama, completamente nus, e não vacilou.
- Desgraçados, vocês dois! Primeiro ele, depois eu te pego, mulher vadia, sem vergonha! – berrou, munido de um cacete, desferindo violentas pancadas no pobre velho.
- Pelo amor de Deus, Cid, assim você mata o patrão, ora! – disse ela, fingindo que estava defendendo-o.
- Eu mato este velho canalha ...
- Não faça isto, não, nêgo ! Pela alma da sua mãe, eu lhe peço! Se você matar o Sr. Osório, vai acabar sendo preso, pensa bem! Já chega, ele já apanhou, meu bem!
- Ah, mas isto não vai ficar assim, de jeito nenhum, com certeza, viu? Ele tem que me pagar pela afronta, ora se paga! Fica quietinha, que a nossa conversa será depois, tá bom?
- Pelo amor de Deus, rapaz, não me mate, não! – implorou o fazendeiro.
- Tudo bem, mas tem uma condição, hein! Eu quero um cheque no valor de vinte mil, vou ao banco para retirar o dinheiro, enquanto isso, o senhor fica amarrado nesta cama, do jeito que está, peladão da silva.
Dito e feito, o patrão fez o cheque. Alcides pegou o carro de Osório e seguiu para a cidade, indo diretamente ao banco, onde esperava sacar o dinheiro. Porém, o gerente desconfiou que o emitente não mandaria que um empregado fosse buscar tanto dinheiro, então, inventou uma desculpa de que não havia tudo aquilo na agência, e que precisava de um tempo para pegar a quantia junto ao Banco do Brasil. Pediu que ele aguardasse na sala de espera, inclusive, mandou que lhe servissem um café. No entanto, ligou para um dos filhos do emitente, estabelecido com um comércio na praça, o qual concordou que o mesmo tinha razão, e chamou a polícia. O rapaz foi preso, e acabou ali mesmo a sua farra, pois ele indicou outras vítimas, após ser submetido a alguns “carinhos”.
Enquanto isto, Nenzinha se evaporou no mundo, sem deixar rastro algum.