O DIAMANTE COR DE ROSA
Nunca vi tantas pessoas "esquisitas", como naquele lugar e nem daquele jeito. Os pais até que eram considerados "quase" normais, apesar da pobreza extrema e da quantidade de filhos. Não me lembro bem, se eram oito ou nove, só sei que era uma turma grande, cada um com um tipo de "problema" diferente. Havia dois surdo e mudos, um aleijado de ambas as pernas, um casal de anões, dois doidos, ou seja, nenhum escapava. A vizinhança comentava que tal fato ocorria porque José e Ana seriam irmãos por parte de pai, mas isto nem eles sabiam direito. O certo é que foram criados juntos numa mesma casa, mas José se lembrava vagamente de sua mãe, morta por uma mordida de cobra quando colhia café, deixando-o orfão aos cinco ou seis anos. Depois, o pai trouxera para casa aquela outra que acabou de criá-lo, e que viria a ser a mãe de Ana. De oficial nada, mesmo porque, ninguém dali tinha sido registrado em cartório, bem como os filhos deles, pois essas coisas eram consideradas como sendo "luxo" de gente rica, e a familia era "mais" do que pobre, ou miseráveis, completamente..
Moravam de favor num casebre de taipa e coberto de capim, chão batido, distante de todo mundo, de difícil acesso, ou seja, numa área que o fazendeiro proprietário considerava inútil, porque naquele local não entrava nem cavalo, ou gado, nada, já que era cercado, de um lado por um morro rochoso, à leste havia uma erosão bastante profunda, à oeste ficava um emaranhado de taquaras e tabocas , além do rio represado e que era utilizado por uma pequena usina de eletricidade. Dessa maneira, só era possível chegar até lá numa jangadinha "fabricada" com troncos de madeiras e bambús, amarrados com embira mesmo, pois nem arame ou cordas podiam comprar. Criações ali, só mesmo galinhas, cães, uma meia duzia de cabras, e claro, alguns poucos porcos, que eram engordados à poder de mandioca, abóbara e inhame. Quando matavam algum, muito raramente, eram praticamente devorados em poucas horas, cozidos de qualquer maneira, sendo que só não aproveitavam os "recheios" das tripas dos animais, porque até os ossos serviam para alimentar a cachorrada.
Apenas o pai trabalhava nas fazendas por perto. Alguns dos rapazes e moças pescavam e caçavam na área, outros colhiam frutas e palmitos nativos, ou cocos; dois deles se aventuravam pelos cerrados, onde capturavam lagartos teús e tatús, seriemas e perdizes, enfim, comiam qualquer coisa, e era em grande quantidade. Nisso eram muito bons: de boca.
Ambrósio e Divino, os dois mais velhos, eram um pouco mais espertos que os demais, apesar de serem completamente surdos.
O primeiro gostava demais de "furar" mel e andava longas distâncias à procura de enxames nas matas, sempre munido de duas cabaças, um machado e um enxadão, além do inseparável facão, um canivete, fumo e caximbo feito com casca de coco gairoba, uma binga de isca e acionada com o atrito de um pedaço de lima de amolar sobre uma pedra. Levava também, num embornal, alguma coisa que pudesse comer, quase sempre um pedaço de rapadura e um punhado de farinha. Às vezes aceitava um prato de comida que lhe desse algum conhecido, mas isso era raro.
Já o segundo aprendeu a fazer balaios, esteiras e cestos de taquara, bambu ou taboca, tudo por encomenda. Muitas vezes ficava dias seguidos "internado" no mato, trabalhando, não ia em casa nem para dormir ou comer, enquanto não terminasse as suas empreitadas. Pegava o serviço com um prazo determinado para entrega, livre das refeições, fornecidas pelos contratantes, e que eram sempre deixadas em algum lugar pré combinado, nunca aceitava que alguém chegasse até onde ele estava em ação. Talvez tivesse medo de que alguém pudesse aprender o "ofício" e lhe tomasse a freguezia.
Os demais ficavam em volta da casa, mesmo, ou por impossibilidade de se locomoverem, ou por medo, em alguns casos, já que, como eu disse antes, ninguém dali era muito "legal da bola", nada, como se dizia por aqueles lados. Em comum, a maioria nem usava qualquer espécie de roupa, andavam nus, tanto homens, quanto mulheres, e achavam normal que houvesse sexo entre os próprios irmãos com as irmãs, valia de tudo, enfim.
Tomar banho era algo quase incomum, mas, de vez em quando acontecia, se bem que raramente, sempre aos sábados, quando se dirigiam quase todos ao poço que ficava logo abaixo de uma bela cachoeira, ao pé do morro já citado, de onde nascia um córrego de águas cristalinas, e que ia desaguar no pequeno rio represado. Então, Ambrósio e Divino, como costumavam fazer sempre que iam até lá, começaram a mergulhar e a catar pedras no fundo do poço, algumas coloridas, outras brilhantes, todas bonitas, que entregavam às moças, as quais costumavam guardá-las para brincar em casa, como se fossem animais. Com isso, acabaram juntando uma boa quantidade, só que nãos lhes davam nenhum valor material, a não ser a tal brincadeira.
Na época, eu tinha uns treze anos e estudava na cidade, só ia passar as férias na fazenda do meu pai. Nós também éramos muitos filhos, e eu gostava de recolher as roupas velhas de nossa numerosa família, tios e primos, para doá-las àquela gente, além de brinquedos, ou qualquer coisa que lhes fosse aproveitável. Ou seja, era uma das poucas pessoas que os visitava nessas ocasiões, de forma que me tornei querido por todos eles. Não ligava se estivessem limpos ou sujos, nús ou vestidos, eu apenas queria ser-lhes útil, de alguma maneira.
Numa dessas ocasiões, me chamou a atenção uma pedra meio "cor de rosa", e que brilhava intensamente, ao ser manuseada por uma das meninas, a que não andava, apesar de já ter dez anos. Peguei a pedra e fiquei observando-a durante algum tempo contra o sol. Era uma coisa diferente, muito linda, mas nunca imaginei que pudesse ser valiosa, apenas admirava-a com atenção. Percebendo a minha curiosidade, a garota me ofereceu a pedra como lembrança, depois de depositar-lhe um meigo beijo, sei lá, mas acho que pretendia retribuir a feia boneca que eu lhe trouxera, especialmente, pois ela tinha adorado o presente.
Guardei aquilo com muito carinho, como uma lembrança daquele dia, e isso durante alguns anos, até que, quando me casei, a minha esposa viu a pedra, me pediu que a deixasse fazer um anel com ela. Não hesitei, claro, e fomos juntos a um conhecido joalheiro da nossa cidade. Ao lhe entregar a pedra, o homem arregalou muito os olhos, admirado e surpreso, depois disse que aquele era um dos maiores diamantes que já tinha visto em sua vida, e valia muito dinheiro, se bem lapidado e trabalhado.
Foi então que decidimos não fazer o tal anel, por enquanto, e levamos a pedra para ser melhor analisada e avaliada por um especialista de Belo Horizonte. Este fez pouco caso, disse que era mesmo um diamante, porém, nem valia tanto assim, pois tinha alguns graves defeitos. Todavia, a sua primeira proposta foi algo que nos assustou bastante, de tão elevada que era.
- Desculpe, companheiro, mas nós viemos somente confirmar outras duas avaliações que já fizemos lá em Goiânia e em São Paulo. A sua oferta não chega nem à metade das que já obtivemos pela pedra, sabia? – disse-lhe eu, sério.
- Tudo bem, melhor para você, né? – respondeu ele, seco.
- Com certeza! Quanto lhe devo, então? – perguntei
- Cem reais é o que sempre cobro pelo meu serviço, tá bom?
- Está ótimo! Muito obrigado!
Saímos dali meio tontos, com uma vontade louca de fechar o negócio com aquele homem, logo, mas já era tarde para recuar. Além disso, ficamos mais preocupados em ficar perambulando com tudo aquilo pela cidade, tomamos um taxi e fomos diretos ao hotel em que estávamos hospedados. Mal entramos no apartamento, o interfone tocou e a recepcionista me disse que o Sr. Miranda pedia para falar comigo com urgência, e eu topei, com o coração aos saltos. Descemos, e lá estava o homem, que tinha nos seguido até ali.
- Olha, que surpresa, o senhor por aqui, Sr. Miranda! Tenho certeza de que não comentamos nenhum endereço, hein!
- Desculpe, mas eu os segui, e quero fazer-lhes uma nova proposta pela pedra, pode ser?
- Claro, eu apenas me reservo o direito de aceitá-la ou de recusá-la, está bem?
- Sem dúvidas, lógico! Eu lhe pago, à vista, Hum milhão de reais.
- Você está de acordo, meu bem? – perguntei à minha esposa.
- Ah, meu querido! Ainda está aquém da oferta lá de São Paulo! Vale a pena até que a gente viaje de táxi até lá, não acha?
- É verdade, sim!
- Hum milhão e duzentos ... é o meu preço final! – disse o homem
- Fechado! Aceitamos o negócio.
- Nesse caso, vamos ao meu banco, e lá faremos um depósito em espécie na sua conta, combinados?
- Certinho!
Com o dinheiro depositado na conta, retornamos em seguida à nossa cidade, felizes e satisfeitos. A primeira providência que tomei, ao chegarmos em casa, foi visitar aquela família, desta feita para entregar a eles a metade daquele valor, que depositei numa caderneta de poupança em nome de José e Ana, o que permitiu que tivessem dias melhores, com os seus filhos.
Ainda tentamos localizar se havia mais daquelas pedras daquelas, mas parece que foi a única, não achamos mais nenhuma, por pequena que fosse.