SEU TIOFO

Era um homem magérrimo e bastante alto, e que era professor renomado na região, porque com ele, ou o aluno aprendia por bem, ou aprendia na marra. Aprendia era uma maneira de se dizer, já que ali só eram importantes as quatro operações de aritmética, além de ler e escrever um pouco, apenas o suficiente para fazer alguma anotação qualquer. História, geografia e ciências eram coisas sem nenhuma utilidade, pois a maioria dos alunos continuaria vivendo na roça, tanto os mais ricos, quanto os filhos de colonos.

Claro, o seu nome correto era Teófilo Bonifácio Justino, conforme não se cansava de ensinar à molecada e aos adultos também, porém, não tinha jeito, as pessoas não conseguiam pronunciá-lo direito, então, era conhecido mesmo por "Seu Tiofo", cujo fato o irritava muitíssimo.

As aulas, normalmente, aconteciam no período da tarde, misturavam-se os alunos mais adiantados com os atrasados, e não havia distinção de série, eram todos tratados da mesma maneira. Ele mantinha uma rígida disciplina, pregava absoluto respeito na sala de aula, e os pais lhe davam, inclusive, permissão para que usasse uma palmatória para corrigir as crianças. Além disso, costumava aplicar severos castigos corporais, como ajoelhar em grãos de milhos, ou então, a criança ficava de pé com os joelhos apoiados na parede, numa posição bastante dolorida, e isto fazia com que muitas vezes caísse ao chão, gemendo. Quando pegava alguém conversando em classe, ele logo mandava que o "infrator" enchesse a boa de água, e assim ficava até quando bem entendesse.

Pela manhã, costumava se levantar bem cedinho, e ia tomar banho no córrego, depois, saia caminhando devagar e com as mãos cruzadas às costas, pensativo, não cumprimentava ninguém que estivesse pelos caminhos, pois considerava a todos uns "caipiras", segundo não se cansava de dizer. Ficava horas seguidas ouvindo o canto dos pássaros silvestres, bem como o barulho dos animais, exceto vacas e cavalos, segundo ele, os seus ruídos eram estridentes e lhe feriam a sensibilidade. Também gostava de ler à sombra das árvores, sempre livros de autores nacionais, como Machado de Assis, José de Alencar, Malba Tahan, Mário Palmério, Jorge Amado, Francisco Marins, etc... no entanto, não podia nem ouvir falar de Monteiro Lobato, ele dizia que suas histórias eram muito irreais, todas umas "invencionices" de profundo mau gosto.

Ou seja, o homem era extremamente complicado. Outra mania que tinha era não comer carne de qualquer espécie, nem mesmo frango ou peixe. Comia sempre as mesmas coisas: arroz, feijão, legumes e saladas, além de queijo fresco, banana e ovos, em todas as refeições, de segunda a domingo, e era muito bom de garfo. Depois do almoço, seguia para a casinha da escola, todo empertigado e vestido à caráter: terno, camisa branca engomada e sapatos engraxados, como se não estivesse fazendo aquilo numa fazenda, e sim na cidade. Após as aulas, tomava o seu banho de água fria, jantava e se recolhia ao quarto, onde lia mais um pouco, ou então corrigia os cadernos e preparava o que ensinaria no dia seguinte. Dormia muito cedo, e reclamava se houvesse qualquer barulho que o perturbasse. Não saía de casa nem aos domingos e dias santos, a não ser para fazer as costumeiras caminhadas de sempre. Será que não tinha família?

Ninguém conhecia nada sobre o seu passado, nem ele comentava coisa nenhuma. Daí que o povo inventava casamento com filhos, que a mulher não agüentou o jeito dele e foi embora para bem longe, e que nunca mais deu notícias, mas, certeza mesmo, ninguém tinha, não.

Cido era o moleque mais inteligente e interessado em aprender sobre todas as coisas possíveis, mas o professor tinha birra dele, por considerá-lo um mau aluno, por causa de suas constantes perguntas. Na verdade, o menino tinha uma curiosidade bem acima da média, muitas vezes até exagerava, inventando assuntos que fugiam ao tema das aulas. Um dia ele quis saber do mestre o porquê dos animais praticarem sexo livremente, em qualquer hora e lugar, e os humanos o fazerem somente à noite, e ainda com as portas trancadas. Foi o suficiente para que o homem se irritasse e lhe desse uma grande surra com uma vara de marmelo, na presença de todos os outros.

Só que aquilo serviu apenas para que a criança ficasse ainda mais interessada no assunto, já que era uma criatura muito determinada. O pior de tudo foi que os demais também quiseram saber das mesmas “coisas”, então, o caso passou a ser discutido entre eles, ao saírem da escola.

- Alguém aqui já viu o que fazem os seus pais, na cama? – perguntou João.

- Eu já vi, sim! Só que não era o meu pai com a minha mãe, mas ela com o nosso patrão. Achei tudo normal, porque estou acostumado a ver os bichos se acasalando, né? – informou Antonio,

- Nossa! Você nem contou isto ao seu pai? – admirou-se o Beto

- Pra quê, se o meu pai faz a mesma coisa com a Tianinha do Mário atrás das moitas de bananeiras?

- A Tianinha do Mário!!! Nessa eu não acredito, de jeito nenhum, viu, gente! – retrucou o Cido, assustado.

- É verdade o que ele está falando, porque eu também já vi, e foram muitas vezes, tá bom? – disse Chico

- Ah, então quer dizer que, se os bichos se acasalam para fazer os seus filhotes, o homem e a mulher também “encomendam” os nenéns do mesmo jeito, hein! Disso eu não sabia, pois sempre me disseram que a gente era entregue aos nossos pais pela dona cegonha! – falou o Juarez

Os comentários tornaram-se constantes no grupo, logo se espalharam e acabaram surgindo novos casos de traições por todos os lados, sem que ninguém conseguisse contornar a tal situação. Isto gerou muitas brigas de casais, mas também serviu para que o professor aceitasse discutir o assunto com os meninos, pelo menos os pontos básicos, sem maiores detalhes, já que ele tinha pouca experiência.

Com as meninas, não, estas eram orientadas por Isaura, uma solteirona que trabalhava como empregada na casa sede da fazenda. A meu ver, ambos eram aos pessoas menos habilitadas nesta questão, pelos motivos que acabo de expor.

Ronaldo Jose
Enviado por Ronaldo Jose em 18/04/2022
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