A canoa branca

 

     Visitando o município de Indiaroba no litoral sergipano, descobri que a vida dos pescadores não é só brisa fresca e passeio de barco. Engana-se muito quem pensa assim. 

É vida de lida árdua. Vezes solitária e cheia de perigos. E não é somente os perigos do mar instável decorrentes do tempo ruim não. São perigos e medos vários. Grandes e pequenos, pois diversos são os desafios e as situações difíceis que colocam em risco a segurança dum canoeiro, seja qual for a fase da lua e da maré.

 

    E de acordo com Burro, o velho lobo da maré José Francisco Mazê, os perigos aos quais estão sujeitos os pescadores podem ser tanto de ordens naturais quanto sobrenaturais. Ele mesmo já vivenciou experiências inexplicáveis que testam o senso prático de qualquer pessoa. E até mesmo para ele, um experiente pescador acostumado com as crendices e superstições que rondam o ofício do seu povo, teve dias que tremeu de medo, seja do mar, do vento, e até do que não chegou a ver de fato.

 

     Uma dessas ocasiões de medo extremo aconteceu quando era mais jovem e saira para pescar à noite em companhia do primo Dudé, seu companheiro de pescaria de muitos anos, e decidiram iscar as groseiras lá para as bandas da maré do Crasto, local onde os pescadores mais velhos não aconselhava pescar.

 

     Partiram na canoa Iemanjá, apelidada carinhosamente de "Fubuia". Uma embarcação robusta e longa, de aproximadamente nove metros de comprimento. E como de costume cada um ficou numa extremidade da mesma para mantê-la equilibrada.

     Ao chegarem ao destino, aprumaram a canoa Fubuia no mesmo sentido da largura do rio e começaram a descer as armadilhas para começar a pescaria.

 

     Lá pelas tantas horas da madrugada começaram a ouvir um som de motor, mas não viam nenhuma embarcação ali perto ou passando por eles. O som que começava longe e baixo ia aumentando gradativamente como se a embarcação fosse grande e rumasse em direção ao local onde estavam, mas nada de verem ela se aproximar ou passar por eles.

 

     Depois se alguns minutos os dois homens se lembraram das estórias que rondavam aquele trecho do rio e ficaram arrepiados. Dali a pouco começaram a ver as águas fazendo barulho como se estivessem sendo lançadas em ondas e a embarcação onde estavam começou a oscilar, porém nenhum dos dois via sinal de barco.

     A Lua cheia clareava a maré alta quase como o dia, mas mesmo assim não dava para enxergarem de onde vinha aquele barulho de motor que as vezes se tornava tão ensurdecedor e vibrante que chegava a fazer a maré tremular.

 

     Os amigos pescadores se olharam e como se soubessem o que o outro estava imaginando, começaram a recolher as groseiras para sair dali o quanto antes. Porém, sem que esperassem, avistaram uma imensa canoa branca que navegava velozmente na direção deles. E como não daria mais tempo para tirar a canoa Iemanjá dali e sair da frente daquela embarcação estranha, ambos se abaixaram ao mesmo tempo como se tentassem se preparar para o impacto, pois a enorme canoa branca iria bater na deles e pela velocidade que vinha não seria um simples impacto.

     Assim, de olhos fechados e o coração saltando no peito, seguraram com toda a força nas bordas da embarcação até que ambos ouviram o barulho do motor passando através deles como se não estivessem ali parados. Quando abriram os olhos viram que a canoa branca já desaparecia na frente deles seguindo em direção à Terra Caída.

 

     Completamente abalados de medo e susto, os dois pescadores olharam-se novamente e, em silêncio, terminaram de recolher seus apetrechos de pesca para voltarem para casa. Dentro do barco porém, um odor bem conhecido se fez sentir. Mas ninguém ousava fazer comentários. E como cada um sabia o que havia acontecido consigo mesmo, não se atrevia a fazer pilhérias da situação do outro. Simplesmente ligaram o motor da canoa Fubuia e foram embora.

 

     Era a primeira vez que eles viam a famosa aparição da canoa branca. Nunca acreditaram naquela história. Sempre acharam que era crendice do povo vizinho para espantar os pescadores de outras regiões. Mas pelo visto, se dependesse dos dois pescadores daquela noite essa crendice iria ganhar mais um reforço na propagação.

 

     Mesmo porque era mais fácil pôr a culpa da pescaria fracassada na aparição fantasmagórica da canoa branca que "afugentou os peixes" do que admitir que tiveram que voltar pra casa porque se "borraram de medo"... Literalmente.

 

Afinal, tem coisas que só escapam da boca do homem por força do hábito. E este causo é uma delas... 

 

Adriribeiro/@adri.poesias

Adriribeiro
Enviado por Adriribeiro em 17/04/2022
Reeditado em 27/05/2022
Código do texto: T7496738
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.