ERAMOS QUINZE
Em janeiro de 1965 João foi de Minas para Ribeirão Preto, na carroceria de um caminhão da cerealista em que ele viria a trabalhar durante oito anos. Família numerosa, constituída por pai, mãe e doze irmãos (o último nasceu naquela cidade, em 1966), passaram por enormes dificuldades, já que era o mais velho, e tinha somente dezesseis anos. Além disso, era estudante interno de um Colégio Agrícola, ainda não tivera nenhum emprego, sem contar que eram considerados "filhos de um fazendeiro", portanto, não estavam preparados para enfrentar as durezas da vida.
Na verdade, pode-se considerar que fizeram verdadeiros milagres na luta pela sobrevivência. Ele logo foi trabalhar na tal cerealista, o pai e seu irmão José vendiam cereais na feira, as três meninas mais velhas, com 14, 13 e 12 anos também se arranjaram em casas de família. A mãe tornou-se costureira. Ou seja, cada um se defendia na medida do possível, mas havia dias em que a situação apertava, quase chegava a faltar até a alimentação para tanta gente. Não foram poucas as vezes em que comeram apenas polenta com arroz e feijão, ou ovos fritos com arroz. De manhã, durante um bom tempo, não havia nem pão, então, cada um fazia o famoso "tareco" de fubá com água e açúcar, sem ovo. Carne era apenas uma vez por mês, quando João recebia o salário e comprava exatos quinze bifes, um para cada um.
Alguns dos mais novos, eram praticamente uns "santos", só aprontavam principalmente o primeiro, muito arteiro e brigão. Já estavam um pouco mais estabilizados, com o decorrer dos anos, mudaram para uma casa um pouquinho maior, e que ficava na avenida principal do bairro Ipiranga. Alguns estudavam, mas poucos concluíram o segundo grau, ninguém fez faculdade.
Mas, não adianta chorar pelo leite derramado, mesmo porque, cada um encontrou o seu próprio caminho, todos são honestos e trabalhadores, e isto é o mais importante. O que eu quero contar aqui ocorreu durante um Carnaval. Naquela época, fins dos anos 60, início dos anos 70, era costume que a molecada, nos dias de carnaval, ficasse na "tocaia" pelas ruas e avenidas de maior tráfego, quando atirava água suja, ovos e outras coisas até piores nos veículos que estivessem circulando pelo local.
Numa dessas, aqueles três que eu já citei acima, se juntaram a outros colegas da mesma idade, arranjaram de jogar a tal "meleca" numa carroça que passava por ali. O carroceiro ficou muito bravo e saiu correndo atrás deles, que entraram em casa às carreiras, e o homem no encalço. A mãe estava costurando de frente para a janela, e vendo o que se passava com os meninos, chamou o marido para acudi-los, pois ele estava dormindo, já que trabalhava à noite numa Usina. O coitado se levantou meio assustado, e começou a gritar com o carroceiro, tentando impedir que o mesmo entrasse na casa, pois ele até babava de raiva. Postou-se bem na frente dele, em atitude que parecia ameaçadora, embora o "velho" nunca tenha gostado de brigar. O cara, então, sacou de um revólver apontando para ele, xingando cada vez mais nervoso.
- Se o senhor não deu educação para esses moleques, pode deixar por minha conta, que eu vou ensinar a eles que com homem não se abusa deste jeito! Eu mato um deles, e pronto, ora! Onde já se viu uma coisa dessas? - bradava o carroceiro.
- Você tem toda razão, eles são mesmo muito mal educados! Pode deixar, eu lhe garanto que cuido disso, viu meu senhor? A gente educa, fala para respeitar os mais velhos, mas os bichinhos escapam, sabe como é, né! Quando eles se juntam, não tem jeito, aprontam mesmo, uai! - justificava o pai, sem tirar os olhos do revólver, e tremendo muito, de puro medo.
- Só vou aceitar, se o senhor me pedir desculpas, e me prometer que eles nunca mais farão isso com ninguém, tá certo?
- Claro, claro, eu lhe peço desculpas, mas baixe esta coisa, pelo Amor de Deus!
O homem acabou cedendo, virou-se e foi embora, sem nenhuma despedida, mas o pai é que ficou bravo, de verdade, porém, foi com as crianças. Puxou a orelha de cada um, entrou no banheiro, e lá ficou durante um bom tempo, fazendo o que é que não sei! Mas, sou capaz de apostar que o negócio fedeu, e foi bastante.