Como acabam as histórias
Em uma das muitas casas espaçadas, separadas por longos trechos de mata, onde nem mesmo a lei às vezes chegava, o enfermo recusou sua última refeição. Resmungou em desconforto e começou a dar os primeiros sinais de partida.
Há momentos específicos que sempre fazem as casas do interior lotarem, como o nascimento, a união e a inevitável morte. Esta, por sua vez, algumas vezes não faz surpresas. Por isso, parte da família, já ciente do que viria a acontecer, há meses já se reunia sempre que podia. Não se perde uma despedida no interior. Ironicamente, na terra onde os direitos humanos não vão muito além de uma menção rápida em um livro surrado de escola, a vida e os laços continuam sendo prioridade em detrimento de qualquer compromisso.
Assim, quando se tornou explicito a gravidade da situação e foi necessário chamar ajuda, aqueles que precisavam estar lá, em sua maioria, já estavam. Aguardaram o carro responsável por levar o homem para o hospital mais próximo, em outra cidade, em um silencia interrompido por ocasionais soluços ou resmungos. Todos de dor, cada uma de um tipo.
Chegada a condução, já na maca, que se arrastava com dificuldade pelo chão de terra até o veículo, os olhos castanhos e fortes, como todos os olhos que sobrevivem às provações daquele lugar, registraram uma última vez o cenário que mais conhecia em toda a vida. O local de seu nascimento, infância e boa parte da vida adulta. Capturou uma última imagem da frondosa árvore onde durante toda a primeira fase da vida brincou com seus irmãos, cujos rostos, molhados de lágrimas, assistiam, já em luto de quem sabe o que está por vir, a maca se aproximar do veículo. A mesma árvore onde, em algum lugar, bem no alto, estava talhado, há 22 anos, as iniciais do próprio nome com o da primeira das três esposas, mãe de um dos 4 filhos, um dos poucos que não estavam presentes. E isso, eu digo com a dor de escritor, não foi por falta de vontade.
Olhou também os rostos. Muitos, pela última vez. Um adeus molhado e silencioso. Exceto pela mãe, que, no desespero de ser vítima de uma das maiores atrocidade à leia natural da vida, que é viver para ver um filho morrer, gritava aos prantos para que não o levassem. Se se dirigia aos profissionais ou a Deus, ninguém nunca soube. Quando as portas finalmente se fecharam, mais rápido do que eu demorei para escrever estas linhas e ainda mais rápidos do que qualquer um demoraria para lê-las, o carro partiu como se não estivesse levando embora uma parte significativa de centenas de histórias. Como se não estivesse deixando lacunas dolorosas em todas essas narrativas. Como se não estivesse sentenciando a um final precipitado uma história que mal tinha começado.
Morreu pouco tempo depois. De azar, como gosto de chamar. Morrer de azar é morrer de alguma dessas muitas coisas que pobre simplesmente não tem tempo de averiguar até que seja irreversível. Morreu novo. Antes de ver sóis o suficiente para poder deixar de ser chamado de jovem. Sem dar muito tempo para qualquer um digerir, se acostumar ou aceitar. Não que alguém de fato fosse. É apenas a forma como acabam as histórias. Rápido.