A ESPERA PERDIDA
A ESPERA PERDIDA
História de caçador
Autor: Moyses Laredo
Já a boquinha da noite, tudo quieto na colocação, o manto da noite já se derramava sobre o lugar; no terreiro, os bichos da criação se aninhavam no poleiro, cada um no seu cada qual, como se dizia pelas “quelas” bandas, a mulher e os dois filhos cada um estirados nas suas redes de tucum, atada no único quarto dos fundos do barraco, bem no esteio de acariquara do centro, que sustentava o telhado do barraco coberto com paxiúba. O frescor da noite a bom bater com suavidade na chama da lamparina sobre o chão de barro batido, fazendo-a dançar, projetando uma bailarina louca sem pernas, na parede.
Rivaldino balançou de leve no punho da rede da mulher e disse que ia buscar uma caça bem acolá, disse que passou por umas “comidas” quando caminhava na estrada nova de seringa, e acha que já é tempo de paca, precisava completar a mistura de amanhã, já em falta, pois o último pedaço de guariba entrou na mistura de hoje. Deu com a mão na sua velha chumbeira, uma espingarda 28 pra caça miúda, bem calejada na coronha, botou no bolso um punhado de cartuchos que ele mesmo enchia com chumbada de uma velha tarrafa, achatado e depois cortado com facão em quadrados bem miudinho, um peso daqueles, dava pra encher uns três cartucho a não ser quando queria matar caça maior, é que então enchia uns dois cartuchos com palanquetas (um só caroço grande de chumbo). Saiu e disse pra mulher:
-Jovelina tô ino pro acero esperar uma caça pra nós comer amanhã e não sei que hora vou chegar, tu fica aí cuidando dos curumim. A mulher preocupada diz da rede ainda se embalando:
- Rivaldino tenha cuidado com os bichos, de noite é que eles saem, e essa é noite sem luar, principalmente a onça que se aproveita da escuridão.
- Deixe de “bestagi” mulher! Eu lá tenho medo de bicho feroz, e se eu não for agora que eles saem, que horas então é que eu vou pegar eles? ... saiu pela porta da sala levando a rede dentro da estopa, passou a bandoleira da chumbeira no ombro, botou tudo nas costas e foi pela estrada de seringa alumiando seus passos com a fraca luz da lanterna prateada de duas pilhas, esse caminho ele conhecia de cor, nem precisava gastar pilha, por isso, aqui e acolá, apagava a lanterna para economizar.
Chegando na mata alta, caçou a “comidinha”, (lugar onde tem frutos caindo e os animais da mata se alimentam), que tinha visto na noite passada, depois enxergou, no alto de uma árvore, uma forquilha formada por dois grossos galhos, achou que era um bom lugar para armar a espera, subiu num pau caído e atou os punhos da rede com as duas cordas nos galhos, não esqueceu de preparar um abrigo tipo “rabo de jacu” para caso chovesse, por fim, se atrepou e de lá de cima, já acomodado, ainda desbulhou umas espigas de milho que jogou no chão pra atrair mais ainda os bichos da noite, sentou-se na rede, como se monta num cavalo, com as pernas balançando, botou a espingarda no colo e com a lanterna acesa sempre focava no chão ao menor ruído, parecia um vagalume, toda vez que ouvia alguma coisa, um quebrar de galho, com as oiças (flexão de ouvir) bem apuradas é capaz de escutar um rato caminhando sobre as folhagens, e assim por lá ficou bem quietinho atentamente aos ruídos da mata, uma coruja da mata, levantou voo bem rasante ao seu lado, que só notou o vulto e o bafejo do vento da bicha nas ventas, elas voam tão silenciosamente que ninguém ouve o bater de suas asas, acho que é por isso que conseguem pegar suas presas de supetão, ele até que se assustou, mas, a coruja era sua velha conhecida, voltou o silêncio da mata, a espera de algum animal chegar no local, sabia que não podia errar o tiro, a “muié” e os curumins dependiam dele para comer no dia seguinte. O homem abatido pelo cansaço do dia, resolveu tirar um cochilo para ficar mais esperto, era cedo ainda, aí começou uma chuva fininha, que açoitava a palha do rabo de jacu, e o fez se encolher para se proteger melhor, o vento da noite ajudava também, o diacho é que ele acabou agarrando no sono, cochilou pesado, quando se deu conta, o dia já despontava, perdeu a noitada, a coisa foi tão rápida que não acreditou, achou que ainda estava sonhando, mas a realidade por fim venceu, ele havia perdido a caçada tinha dormido a noite toda, para piorar, o milho que ele jogou para atrair caça também havia sumido, viu uns três tipos de pegadas no pé da árvore que estava, tinha de onça, de paca e de veado, sinal que veio bicho comer debaixo do seu nariz, aí foi que deu mais raiva nele, enfim, a caçada foi adiada e o pessoal dele terá que se contentar com jacuba.