No interior de Minas, na pequena cidade de nome de planta, havia um caricato ser humano que todos conheciam. E se não conhecia, já ouvira falar dele.
Um menino de ouro que tratava a todos com educação e cuidado. Tinha uma mania estranha que aprendera com a família de seu pai, ao se juntar ao grupo após o trabalho, no fim do dia, ficava agachado por horas. Nunca se ouviu dizer que alguns de seus nervos foram comprimidos naquela posição nada convencional. Nem dormência o bichinho tinha.
Nem tinha conpketado 30 anos quando decidiu que compraria uma moto. Trabalhava numa empresa que pagava bem e queria aproveitar o momento oportuno. Depois de juntar a grana, saiu o menino deslumbrado para procurar uma concessionária de motocicletas. Era assalariado e não podia fazer estrepulias financeiras, logo, comprou a mais em conta.
Na Vila onde morava tinha uma travessia para o centro da cidade que era feita de madeira e pendurada por ferros, desde criança ficava balançando naquela artefato, perigoso e inseguro, cujo nome era pinguela. Daí surgiu o apelido que o acompanhava desde a infância: Zé Pinguela.
A Vila estava eufórica com a nova aquisição. Faziam rodinhas e revezavam na volta de moto. Embora houvesse a necessidade de habilitação para operar aquele veículo, a meninada nem queria saber. Foram dias, meses e ano, naquele batente.
Numa tarde de domingo, Pinguela saiu de casa para ir à sorveteria, local onde encontrava as meninas que com ele estudava. Estava sonolento, já que passou a noite no trabalho de turno e dormiu umas duas horas.
Na esquina de frente ao viaduto, havia um ponto cego e um caminhão desgovernado que perdeu o freio, acabou atropelando o Zé Pinguela e sua moto.
Foram dias de sufoco e angústia. Um menino de apenas 32 anos com traumatismo craniano, A sua morte era dada como certa pelos médicos. O rosto, totalmente desconfigurado, os dentes quebrados, o maxilar partido em três lugares. A ordem era aguardar o inchaço diminuir para medir as condições de sobrevivência. Foram 12 dias de UTI, e meses de quarto, mais de 20 cirurgias corretivas e o retorno para casa.
Ninguém mais acreditava na possibilidade de ver aquele menino. No hospital ficou isolado e nem podia receber visitas. Mas ele resistiu e voltou.
Exceto para aqueles que o conheciam muito bem, as mudanças ficaram imperceptíveis. Não houve sequela mais gravosa, alguns parafusos por todo o corpo, e quanto à estética, a prótese fixada ao novo maxilar não permitia que falasse abrindo a boca, ou seja, falava como se estivesse conversando entre os dentes.
Mas nada disso o abateu, inicialmente. Depois de alguns meses, as dores começaram a perseguí-lo em todas as partes do corpo onde tinham os implantes com próteses. Sua qualidade de vida foi diminuindo e foi perdendo a vontade de executar tarefas simples, sendo inclusive, vedadas pelos médicos que o afastaram de suas atividades profissionais por invalidade.
O salário caia na conta e era transferido diretamente para o Carlinhos, dono do bar, onde ele se tornou figura carimbada. Era dia, noite, sol, chuva e lá estava o Zé Pinguela.
Tentou procurar grupos para viciados, fez tratamentos em centros de atendimento psicossociais, mas não adiantava: sempre voltava para o vício. Dizia ele que era previso pra esquecer o que se tornou e matar suas dores de raiva.
Ele era um bêbado bem caricato: não era agressivo, ao contrário era educado e carinhoso, mesmo cambaleante ajudava a descer as compras do carro de todo ou qualquer vizinho. Ia ao supermercado fazer favores e aos bares também. Nunca agrediu ninguém.
Sua mãe sempre dizia:
- Se continuar a beber, vai morrer!
Ele respondia, prontamente:
- Se eu parar de beber eu vou morrer também. Não é mãe? Eu não vou ficar pras sementes... E ria.
Ele era tão lúcido de suas atitudes que quando se sentia inseguro em atravessar a linha férrea que cortava a cidade e a qual tinha que atravessar para voltar pra casa, batia na casa do senhor Antônio, que morava do ladoeducação ferrovia e pedia para atravessá-lo, podia ser meia noite, uma hora...
Certo dia, Zé Pinguela estava na esquuina da casa onde morava e viu a Dra Liane entrar apressada no carro.
Como de costume, ela saia afobada para ir ao escritório que ficava no centro para atender seus clientes. Tornou-se advogada cedo.
Zé Pinguela já estava tonto, bebia desde as seis e já eram 10, mas viu quando a moça colocou a bolsa sobre o carro, mesmo de longe. Alguém a abordou para uma conversa, antes de fechar o portão da garagem, e o pai veio ajudá-la e fechou o portão. Depois da conversa, a moça atarefada saiu acelerando o veículo e a bolsa ficou para trás.
Zé Pinguela que andava muito devagar e cambalenate, conseguiu chegar até a bolsa. Tudo tinha caído no chão e colocou de volta no lugar, chamando na casa de Sr. Antônio, mas ninguém atendeu.
Como ele bem sabia o horário em que voltaria do trabalho, ficou lá esperando o seu retorno, vez ou outra cochilava, mas não largava a bolsa. Até que o carro apontou.
Passo a passo ele foi até Liane e apontou:
- Dra olha aqui o que a senhora esqueceu?
A moça assustada disse que já havia cancelado os cartões e ligado pra polícia pensando que tinha sido assaltada. Agradeceu e perguntou o que havia acontecido. O rapaz descreveu em detalhes o que havia acontecido e ela ficou perplexa, por dois motivos: ela não tinha se atentado para o que fez e ele estava bêbado.
Ela o agradeceu e disse que daria uma gorjeta pelo cuidado que teve com a bolsa e ele respondeu desapontado:
- Oh, Liane, ocê paaa raaaa com issooo. Nós já estudou juntos e somos amigos de classe. Vê se preciso de gorjeta. Eu tenho salário, minha filha. E aproveita a sobra e faz um curso pra memória Dra, senão pode perder a cabeça e é dos dois jeitos, cuidado.
Liane, assustada com a constação de Zé Pinguela, entrou correndo pra casa e foi rezar pra São Bento, vai que o colega estava certo. Pinguela podia até ser bêbado, mas bobo não era.