A Vendedora de Brigadeiros
Pegou-se mirando o acaso, quando se rendia a um bocejo; ali estático; mais para lá do que para cá. Era manhã, meio da manhã, por melhor dizer. O estômago começava já a dar pelos urros. Concebia-se ante sua vista apática a imagem homogenizada da multidão em movimento precário. E ia mesmo ficar ali indiferente pelo tempo que lhe coubesse, não fosse a imagem lúdica de uma moça trazendo a altura do peito uma caixa toda envolta em papel colorido. Chegou-se até ele a moça; e, mais do que ela, a sua voz doce acompanhada de um espontâneo sorriso:
- Bom dia! O senhor não quer provar o meu brigadeiro? Um é três e dois por cinco. É delicioso o senhor vai ver!
A moça olhava para ele com um sorriso que ele logo cuidou notar: não era um sorriso categórico de negócios. Era um sorriso que vinha com ela e que nascera com ela... Pensou. E antes que pensasse mais alguma coisa, resolveu brincar e arriscou uma crítica:
- Está se vendo que a mocinha anda nos ajeitos. É bom saber que a classe tem evoluído em relação aos aspectos a que deve se ater um bom ambulante.
A moça o olhou encabulada. Não entendeu o que ele disse. Ele era um homem de boas relações no comércio. Possuía sua própria marca e estava no mercado há tempo de se intitular negociante de primeira. Não queria que seu brinquedo causasse fadiga e desgaste na moça. Estava disposto apenas a ser afável - e estava decidido lhe comprar um dos doces pelo tempo que lhe tomasse.
- Esses meninos maltrapilhos que vendem amendoim no cone deviam aprender - continuou ele. - Você serve de exemplo. Tão bem asseada...
- Faço o que posso - Disse ela... Tentando alcançar a lida dele.
Ele estava sendo sarcástico; mas percebeu que isso não chegava até ela; pois ela demonstrava uma serenidade que a ele causou certo espanto. E, vendo-se pobre na investida, decidiu por ir mais um pouco.
- Sabe, moçinha, eu podia apostar que você é uma dessas calouras... E não sou contra colaborar com esses trotes que de certa forma denigrem baleiros... Em fim... Mas bem que esses veteranos podiam tramar trotes mais bem elaborados, não acha?
- Não sou caloura - disse ela. Só vendo brigadeiros.
- Mas olha você - insistiu ele: Tão bem vestida e com essa aparência de universitária. Vendendo doce.
- Que tem isso demais? - ela dessa vez esboçou uma feição séria e constrangida.
- Nada demais, mocinha - tentou se redimir: - Não há nada de errado. É que se causa outra impressão. Mas não quero aborrecer você. Quero a promoção de dois por cinco.
A moça ia pegar os doces; mas, antes, fitou-o com olhar sereno, ainda mais sereno do que na véspera:
- Sabe senhor, eu comecei a vender brigadeiros já tem um bom tempo. No começo eu não tinha roupas bonitas. Mas eu comprei estas com o dinheiro dos brigadeiros. Tal qual um comerciante grande muda de status ao longo do progresso. Minha próxima conquista há de ser uma bicicleta, para eu poder explorar as lonjuras e ter mais território. Pois é bom para o negócio.
Ele, ainda que irredutível, pagou pela compra e se viu na imagem dela. Fora como ela, astuto e enérgico nas buscas e conquistas.