Horas Mortas

Fim de tarde, o sol querendo descansar, a revoada sagrada da passarada, o ensaio da noite para entrar em cena, as estrelas bailando no firmamento e a prosa solta na Venda do Seu Zezé.

Já estavam ali há horas e de tudo ou quase tudo já haviam falado. Do plantio que estava uma maravilha e até do caudaloso Córrego da Saracura que estava dando muito peixe e era a caixa d’água da região.

O Zé Teixeira com a viola no peito, ponteando baixinho para escutar e o Buda Borges tirado a raizeiro, falando das plantas do cerrado e também dos peixes que pegava e do tamanho, dá pra entender que ele exagerava, pois, era o vantageiro da região - como falavam na corruptela. O Mandruvachá num cantinho assuntando a prosa, pois, já havia vendido os seus queijos e estava ali para um breve descanso. Sem falar no Silvalino que contava da criação de frangos, gansos e galos índios, que ele cria com muito amor.

De repente o Silvalino:

- Óia gente. Eu vô imbora. Tá iscuriceno e a nôte tá iscura e eu moro longe.

O Buda que ouvira aquilo foi logo retrucando:

- Ta cum medo Silvalino? Dêxa de froxura home! Medo de quê?

O Silvalino já de pé:

- Das zora morta sô! Num abusa não!

E saiu sertão afora num pangaré que havia comprado do Pedrosinha e este estava velho e cansado e que o Pedrosa o vendeu à noite ao Silvalino pra não perceber os dentes do coitado do cavalo; que só tinha um.

Logo o Zé Teixeira silenciou a viola e entrou na conversa e:

- Eu num tenho medo de nada. Sô um cabra do sertão e do pé rachado e ando quarqué hora do dia ô da nôte. Medo pra mim é lixo.

O Vendeiro Seu Zezé debruçado no balcão logo entrou no assunto:

- Ocê, Texêra? Medroso e dos maióre, fala isso pa mode contá vantage.

O Mandruvachá lá no cantinho caladinho, só de ouvidos na prosa, logo diz:

- Eu num abuso. Nas zoras morta tem sombração e coisa dôto mundo em todos os lugá.

O seu Zezé que gosta de uma aposta foi logo desafiando o Zé Teixeira:

- Ô papudo! Já cocê é corajoso, vamo apostá 500 rialo? Aqui tá o meu cascaio. Bota o seu aí e porva que num tem medo.

O Zé Teixeira tirou um pacote de notas do bolso e botou em cima das notas do seu Zezé e:

- Tá aí seu rato do sertão. Vô te mostrá a minha corage. Vô trazer uma cruz do cimetéro e num vô demorá. Vamo vê essa tale de horas morta.

O Mandruvachá ouvindo aquilo despediu do pessoal e falou baixinho:

- Quero vê se esse parrudão num tem medo num tem medo das zora morta. Vô iscondê atrais duma sepurtura.

O Mandruvachá montou em na mula Trifôia, que comia três folhas de capim por dia e saiu em disparada rumo ao cemitério.

E chega o Zé Teixeira ao cemitério. Já tinha tomado umas três lambadas de cachaça e adentra no Campo Santo e vai em direção a uma cruz. Quando ele pega numa, uma voz:

- Esta é minha!

Apavorado ele vai até a outra e novamente a voz:

- Essa é minha, moço!

No desespero ele pegou uma das cruzes e saiu em disparada feito um catingueiro rumo ao boteco.

Ao chegar ao boteco ele suado e cansado de tanto correr, joga a cruz em cima do balcão e :

- Taí a Cruiz e o dono dela vem aí atrais! Tô cascano fora!

Os que estavam no boteco saíram em disparada seguindo o seu Zezé que gritava:

- Me perdoa! Meu Deus! Nunca mais eu brinco com as zoras morta!

O Mandruvachá que vinha atrás e em risadas pegou o dinheiro e sumiu sertão adentro. Dizem que o Seu Zezé voltou e ao sentir a falta do dinheiro:

- É! Dexô a cruis e levô nosso cobre. Deve sê pa mode comprá ôta cruis nova.

Segundo os moradores da corruptela, o Seu Zezé ficou muitos dias sem ver os seus ilustres fregueses.

Coisas do sertão!

Inté!

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 27/03/2022
Código do texto: T7482239
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