Dois Livramentos
Por Nemilson Vieira de Morais (*)
Em tempos idos, nas eleições municipais, da minha cidade, às vezes o clima político elevava-se… As discussões a cerca de um ou outro postulante à cadeira mais cobiçada, acaloravam-se mais.
Estes embates não ficavam somente no campo das ideias: em dados instantes, os ânimos se acirravam, e as agressões saíam da verbalização às vias de fato.
Adelino (candidato a prefeito), filho da terra, com experiência, esbanjava carisma; já havia administrado a cidade... O outro candidato, quase em pé de igualdade prometia… Qualquer um que ganhasse estava de bom tamanho.
Os comícios se davam em carrocerias de caminhões, em locais estratégicos; até eu, já andei a discursar numa destas ocasiões, a favor de alguns políticos…
Os encontros afins aconteciam pelas ruas; distritos, fazendas...
O povo ia a estas reuniões com entusiamo
para pedir, apoiar, ouvir as promessas, os discursos inflamados.
Os candidatos não descansavam. Em seus redutos eleitorais, tiravam fotos do que viam; da multidão, de algo que pudesse cobrar, ouvia as reclamações dos moradores.
— Peregrinavam por escolas, hospitais, comunidades; organizavam comitês, reuniões com apoiadores...
Pais com receios, orientavam os filhos pequenos a não participarem daquelas discussões políticas (opor-se ao governante não era recomendável).
No dia da votação havia rezas, oração a Deus para que tudo ocorresse em paz, nestas disputas. Recomendações aos meninos a não saírem de casa, eram dadas: pelo risco...
Aqueles possíveis representantes da comunidade local, faziam as últimas promessas de campanha… O momento da prova dos nove, em que as urnas iriam falar se aproximava…
Próximo à votação, João (nome fictício) eleitor de um dos candidatos a prefeito tomava uns aperitivos e jogava conversa fora, no bar do Elias.
Lázaro, eleitor de um outro candidato saiu com uma arma de fogo de casa. Adentrou-se ao bar e, logo começou a discussão política...
Este (o Lázaro), em poucas palavras saltou para fora da venda a instigar o João para resolver a questão na rua.
João não pensou duas vezes: mais que depressa, como uma serpente a dar o bote na presa, saltou em Lázaro e perdeu o pulo. Caiu.
Lázaro tendo negado o corpo, sacou da cintura um revólver de todo tamanho, à vista de olhares atônitos, já pronto a cuspir fogo no relar da espoleta.
João, debruçado ao chão pedregoso da Rua do Comércio, aos pés do inimigo, só a misericórdia de Deus…
Lázaro só teve o trabalho de mirar a arma na cabeça de João e apertar o gatilho. — Bam!
— Ai!
O projétil cravou-se numa das mãos de João que, mesmo atingido levantou-se e atracou-se com seu rival; o sangue esvaia-se pelo braço e ainda quase tomou uma facada por trás (inocentemente), de um terceiro que entrou na confusão ao tomar as dores de Lázaro…
— Este homem aproximou-se dos brigões e puxou da cinta uma peixeira, que, mais parecia um punhal. Levantou a lamina afiada, o máximo que pôde, e a descia ao vão da clavícula de João.
De repente o forte grito do paipai ecoou…
“Não faça uma coisa dessa com o rapaz!"
O homem assustou-se e voltou com a faca para a bainha, imediatamente.
João lutava bravamente, sozinho, para tomar o revólver do inimigo, nem percebeu o tamanho do perigo que correu. — Por certo morreria sem saber do quê.
Com um joelho flexionado sobre Lázaro no chão, João o dominava. A arma do inimigo político já estava na sua mão, quando Elias entrou em ação e a tomou.
Por pouco não houve uma tragédia maior.
Nesse dia foram salvos da morte ou da prisão, Lázaro e João.
*Nemilson Vieira de Morais
Gestor Ambiental/Acadêmico Literário.
(26:08:20)