TAJÁ CURADO DA AMAZÔNIA
Só é história o que pode ser falseado. E tudo o que pode ser meia verdade nos faz sonhar e imaginar coisas que não existem, mas que causam alegria. A leitura tem esse poder sobre mim.
E por isso quero eternizar uma história. Algo que na realidade amazônica ainda é desconhecida da maioria das pessoas, mas que é tão mágico que até duvido se é realidade ou lenda, embora toda lenda tenha um fundo de verdade.
Pois bem, quando eu era pequena, escutava muitas histórias sobre os animais daqui. Sobre as plantas também, principalmente lendas de como surgiram. Mas o que vou contar agora aconteceu em minha família. Minha mãe plantou uma comigo-ninguém-pode no quintal de casa, para afastar mal olhado e também proteger a casa. Vocês me perguntarão agora: como uma planta pode proteger uma casa? Acontece que aqui podemos nos tornar amigas de plantas e ainda curá-las, torná-las mágicas a ponto de assumirem outras formas. Se acham isso um absurdo, esperem até ouvir sobre os relacionamentos duradouros que tiveram como início o óleo de botos...
Pois bem, minha mãe curou a comigo-ninguém-pode. Como? Jogando água de sangue de carne nela e conversando. Lembro bem de vê-la jogando a água vermelha da carne recém lavada e dizendo: "minha planta, minha plantinha, tu vai proteger a casa e a gente."
Certa noite, meu pai chegou bêbado em casa e sempre que estava assim, queria arrumar confusão. Jogava panelas, quebrava móveis. Mas nesse dia, ele foi achar de mexer logo com a planta. Chutou a coitada e saiu. Quando voltou, estávamos dormindo e acordamos com o barulho do meu pai gritando no mato, dizendo que a comigo-ninguém-pode havia se transformado num índio, que tinha empurrado ele no mato abaixo da ponte da casa. A planta estava exatamente no mesmo local. Se era história de bêbado, não sei, mas se foi só imaginação, fico aliviada da planta poder espetar a mente de pessoas ruins assim como espeta a pele com as agulhinhas presentes em suas folhas. Depois disso, ele nem tocava nas plantas e procurava brigar pelas ruas em vez de vir brigar em casa.
A sorte dele é que minha mãe não plantou um tajá-rio-negro, que se transforma num enorme caboclo. Ou um tajá-onça, um tajá-cobra, que só pelos nomes dá pra saber no que se transformam, se curados.
Há muitas histórias dos tajás da vida, que assumem diversas formas e guardam casas e famílias aqui. Acho que as plantas são realmente nossas amigas aqui e mais que isso, vivem nos ensinando lições. As flores vermelhas do hibisco no portão, que são referências quando preciso dar o endereço ("é uma casa com lindos hibiscos vermelhos pendendo na cerca, não tem erro."), exibem-se com toda sua beleza como se não soubessem que sua vida dura um dia. Ou como se soubessem e exatamente por isso aproveitassem bem.
As palmeiras do açaí, que resistem às intensas chuvas vespertinas de Belém, me ensinam a resiliência todos os dias. Quando pensamos que uma vai cair, ela sempre volta firme e forte e ainda dando frutos. As flores-de-saia-branca estão sempre dando um alívio com sua beleza e seu perfume. Mas detalhe: essas só abrem à noite e devem ser aproveitadas com moderação, pois são alucinógenas. Perigoso? Sim, mas considerando que comemos uma planta venenosa que é cozida por sete dias e que é chamada de feijoada amazônica, que temos uma flor alucinógena no quintal, ao lado de uma planta que tem mini agulhas em suas folhas e que podem matar se ingeridas, posso afirmar, diante disso, que comemos perigo no café da manhã. Aliás, é até por causa da flor-de-saia-branca que surgiu a crença de que bruxas voam em vassouras. Mas isso é uma outra história.