Dois contos do vigário
Parecia possuído. Samuel entrou no escritório do advogado como um furacão. A secretaria tentou impedir, mas foi atirada por sobre sua mesa, e caiu desacordada sobre a cadeira. Abriu a porta com um chute e adentrou sem ser convidado.
- Seu filho da puta! Tu me ferrou! Estou fudido por tua causa.
O advogado e o cliente que estavam na sala, assustaram-se com aquela invasão. O outro homem parado diante dos dois como um leão diante da presa. O cliente sai sem terminar o assunto e o advogado preso a cadeira, nem se mexe.
- Tu me disse para fazer aquela truta que não tinha erro. Olha no que deu? Que besta que eu fui. Agora estou falido. Ferrado. Não tenho nem um centavo. Tu não vai receber nada.
Samuel era pobre, assim como Renata, sua esposa, que ganhava a vida como costureira. Única profissão que poderia exercer, criada dentro de normas rígidas da igreja e pais conservadores, aprendera a coser, cozinhar, e cuidar dos filhos e marido. Ele criado no interior, nunca estudou mais que a quinta serie primaria. Mas a curiosidade o levou eletrificação, construiu uma fortuna montando transformadores e geradores de energia, numa empresa que o tornou milionário.
Mesmo milionário, Renata continuava seu oficio de costureira, e vivendo simples, como sempre, isso passou a incomodar Samuel, as desavenças foram crescendo até uma separação. A mando do advogado, passou toda sua fortuna para seu sócio. Após consumar a separação, foi tentar reaver seus bens, não mais o encontrou. Ele vendeu tudo e sumiu do mapa.
- Agora o que tu me diz?
- Eu disse que tinha que ser alguém de confiança.
- Então te mexe. Vai fazer alguma ação para reaver minha fortuna.
- Sinto muito. Não temos mais como fazer nada. O que vai dizer para o juiz? Que estava querendo passar a perna na tua ex-esposa?
Estava explodindo de raiva, e diante da morosidade do outro saltou sobre a mesa e caiu agarrado a seu pescoço, esmurrava o advogado com uma violência nunca antes demonstrada. Até ser contido por outros clientes que chegavam. Depois de seis meses de cadeia, Samuel se viu livre. Mas não tinha nem onde morar.
Com muita conversa comprou um carro velho, que muitos duvidavam que andava, e com um companheiro de cachaça, encontrado nestes botecos fueiros que qualquer um morre de náuseas só de pensar, saiu pelo mundo fazendo o trabalho que sempre fez. Instalando redes elétricas nas áreas rurais, seu assistente fazendo o resto. Incontáveis vezes precisaram dormir pelas estradas, com aquela porcaria de carro, nas bebedeiras contava e recontava a mesma história da sua fortuna perdida.
À medida que o tempo passa, com sua astúcia e dedicação ao trabalho, reconstruiu sua fortuna, ao cabo de dez anos estava morando numa mansão numa área nobre da cidade. Um de seus problemas mais graves no entanto era a solidão. Renata devia estar perambulando pela cidade, mas não teria coragem para ir atrás dela e dizer que ainda a amava e queria reatar o casamento. Depois de quase quinze anos não seria a mesma coisa, talvez já tivesse casado. Numa tarde, fez a barba, semi grisalha e se viu cadavérico por detrás dos pelos. Estava se deixando morrer em vida.
Começou a freqüentar danceterias e outras baladas jovens. Não tardou muito encontrou uma jovem belíssima, que logo caiu de amores por ele. A principio não desconfiou de nada, a jovem lhe dedicava o tempo todo, exatamente como ele buscava. Foram longos meses de verdadeira lua de mel. Foram três meses lindos, talvez, os mais felizes de toda a sua vida.
Não tardou, porém, para os problemas começaram. Uma desconfiança que era, geral finalmente lhe capturou. A ninfa estava apenas amando sua carteira. A duvida cruel e amarga começava a lhe corroer por dentro. Um dia propôs ao seu sócio, para que ele passasse por rico e fosse até sua casa, fingir interesse em comprar sua empresa e seus bens pois estava à beira da falência. Nunca tinha percebido que aquele traste que sempre imaginou ser um velho carcomido, era um jovem, em vista dele claro, e mais bonito. Era a prova dos nove. De cara a jovem já se interessou pelo novo rico.
Quando flagrou os dois na cama, se fez de vitima e escorraçou a moça da casa, sem direito a nada, como se dizia no seu tempo, “com uma mão na frente e outra atrás”. Outra vez livre do problema, não fez mais nada de outro mundo, foi chamado a dar declarações na justiça. Um processo lhe corroeu muita grana, e a ninfa levou o resto. Hoje ela está feliz, vivendo na sua antiga mansão, casada com seu antigo sócio, e ele luta com um carro velho para recomeçar sua vida, mas desta vez, sem sociedade alguma.
Essa é uma história real, qualquer semelhança com a ficção, terá sido apenas uma coincidência.