O ENTERRO DE DONA MARIA

São Paulo, 9 horas da manhã, Leninha lavava a louça do café dos patrões, no apartamento do Dr Leandro e dona Hercília, no Bairro de Pinheiros, onde morava e trabalhava já havia 5 anos, desde que viera do interior de Minha Gerais. Ao atender o telefone , a voz chorosa de uma de suas sete irmãs contava que dias antes, sua mãe havia sentido uma dor forte, e foi encaminhada para a Cidade mais próxima, com recursos de Hospital público, que ficava a mais de 500km de Ibituruna, onde vivia com uma das filhas. Internada para averiguações foi colocada na UTI até o segundo dia, quando sairiam os resultados dos exames, que revelaram graves problemas no pâncreas, que a desenganaram pelos médicos.

Leninha desesperou-se. Queria ver sua mãe pela última vez. Dona Hercília, a liberou do trabalho, e deu o dinheiro para a viagem. porém àquela hora do dia, ônibus direto não tinha, e o que teria sairia às 23 horas. Era o que poderia ser feito. Depois de duas horas, novo telefonema. Sua mãe falecera e o corpo seria enviado para Ibituruna onde seria o enterro. Leninha pediu que aguardassem a sua chegada... E assim se fez. Ela pegou o ônibus na rodoviária às 23h com previsão para chegar lá em Ibituruna entre 7 e 8 da manhã. Mas não foi bem assim... o ônibus tinha um roteiro a seguir, passando e parando em várias vilas e bairros até chegar. O dia já estava amanhecendo, quando um problema na parte elétrica parou o ônibus numa auto mecânica até às 7:30 quando o mecânico abriu sua oficina. Trocou a bateria e lá se foram muuuito atrasados para Ibituruna, onde chegaram por volta do meio dia. Poucos parentes ainda chegavam, todos muito consternados com a morte rápida de Dona Maria. Foi então que Leninha, observou a quantidade de pessoas que ela não conhecia, que lotavam a casa, com pratos cheios nas mãos e comendo, como se fosse uma festa, e não um velório. Leninha perguntou para Dulce, a irmã que morava com a mãe, o por que de tanta comida? A mesa da cozinha e o fogão repletos de panelas de arroz, feijão carne assada, salada, bules de café que iam sendo refeitos enquanto o corpo esfriava no caixão e os pratos eram sendo lavados para alimentar os que aguardavam na fila... -São todos parentes, Dulce? - Leninha perguntou - Não! São pessoas que conheciam nossa mãe... - respondeu a irmã - E vc tem dinheiro pra cobrir toda essa despesa? - quiz saber. - Hoje não, mas a aposentadoria de nossa mãe entra amanhã e poderei pagar tudo certinho. - mais aliviada, pois só estava com o dinheiro da volta, Leninha foi ficar perto do corpo de sua mãe. Até que um rapaz forte, de terno e gravata chegou e pediu para fazer uma oração para a inesquecível Dona Maria... Leninha perguntou para a irmã se era o padre. E a resposta foi: - NÃO!!! É o PREFEITO! - Nossa! como minha mãe era querida nesta cidade que só a fez sofrer... - pensou Leninha - Chovia muito, mas era a hora da despedida. O cemitério ficava no alto de um morro e as ruas de terra, pareciam um rio lamacento, mas o Prefeito, debaixo de chuva, agarrou a 1ª alça do caixão e derrapando, todo molhado, conduziu com os 3 filhos de dona Maria, a velha senhora até sua última morada. Pronunciou ainda uma última oração, tomou a pá das mãos do Coveiro, e atirou as primeiras pás de terra sobre o caixão, e com a voz embargada bradou : DESCANSE EM PAZ DONA MARIA! saindo rapidamente do cemitério, acompanhado pelas pessoas que o acompanharam a tarde toda. Voltando para a casa de sua mãe, agora vazia e imunda pelos pés sujos de barro, e restos de comida atirados no chão, enquanto lavavam os pratos e talheres, um homem procurou Dulce, que o atendeu na varanda, porque a sala ainda estava intransitável. Ele se foi depois de Dulce assinar um papel. Leninha quis saber do que se tratava e Dulce respondeu que era sobre a aposentadoria de sua Mãe. Ela iria receber a última parcela no dia seguinte, e pagaria todas as despesas dos últimos dias: os remédios o caixão, o enterro, a venda, o açougueiro, e tudo o que gastara com as comidas do velório. Leninha perguntou o nome do Prefeito, pois queria ir no dia seguinte agradecê-lo. E Dulce lhe disse que ele era o CANDIDATO A PREFEITO para as próximas eleições dentro de 3 meses. Na manhã seguinte Dulce foi ao banco receber a aposentadoria de sua mãe, e ficou sabendo que o que assinara na véspera, era o bloqueio do benefício de Dona Maria... Não recebeu nem receberia mais nada. Voltou para casa arrasada! Leninha só estava com o dinheiro da passagem de volta. E todas aquelas pessoas que foram comer às suas custas, eram eleitores do candidato à Prefeitura, para os quais ele deveria ter prometido comida grátis à vontade, no enterro de Dona Maria...