UMA ARRISCADA EXPEDIÇÃO AO RIO APUAÚ

UMA ARRISCADA EXPEDIÇÃO AO RIO APUAÚ

Continuação de “A ASSOMBROSA CAÇADA DO RIO APUAÚ” – Recanto das Letras

Pescaria na Amazônia

Autor Moyses Laredo

Esta é uma continuação da “A ASSOMBROSA CAÇADA DO RIO APUAÚ”, lançada em 06/03/2021 no Recanto das Letras pelo mesmo autor.

(https://www.recantodasletras.com.br/escrivaninha/publicacoes/index.php).

O Rio Apuaú, é um rio selvagem, o rio todo é cheio de magias de águas rasas e selvagens, corredeiras e cachoeiras, nas suas margens e ao longo dos seus 120 quilômetros. O dito rio se inicia a margem esquerda do baixo Rio Negro, a pouca distância de Manaus, já dentro do Arquipélago Anavilhanas, no trecho compreendido entre os rios Apuaú, Jauaperi e Rio Branco. A região apresenta baixíssima densidade populacional, possui abundante flora e fauna, sobretudo pela riqueza de sua morfologia, dito contrário à boa lógica, se o lugar é bom em tudo, porque então da baixa densidade populacional? Os poucos que por lá se aventuraram em caçadas e pescarias, deram causa a tantas histórias escabrosas, contadas pelos próprios e assustados protagonistas, que lhe rendeu, o lugar, os mistérios que a fama ampliou. O lugar, estava se tornando inacessível, por conta dos eventos misteriosos da mata, eram tantas histórias de arrepiar os poucos cabelos dos que ainda os tinha, ouviam-se gritos e lamúrias, grunhir e batição de queixo de porcos, urros dos guaribas, vendavais sem vento, zunindo no pé-do-ouvido, balançar de arbustos próximos, sumiço de pequenas coisas do acampamento, visão de silhuetas estranhas passando por fora das barracas, balançado de redes e coisas e tal, tudo isso, fazia o povo correr às léguas de lá, os que passavam por essas aventuras juravam nunca mais por os pés alí. Os ditos alcançaram os ouvidos, de um grupo de contumaz pescadores, homens brutos de meia idade dos pelos dos sacos dourados, calejados, principalmente na ponta do polegar de tanto arrancar lacre de latinha de cerveja, durante uma dessas conversas de final de noite, fartos dessas histórias, já todos com os miolos inundados de puro malte, lúpulo e leveduras, num arroubo de coragem resolveram aferir os fatos; um dos amigos, se destacou do grupo, bateu forte com sua latinha na mesa, fazendo o resto do líquido voar na cara de alguns, e disse, em tom de desafio: -“temos que tirar a limpo essas histórias, ou pelo menos, para termos também o que contar”, o urro de aprovação de todos foi unânime.

Na desembocadura do rio Apuaú, o lugar atualmente sofre com os ataques constantes de piratas, são ágeis piloteiros com seus botes de alumínios curtos, assaltam pequenos pescadores de fins-de-semana, para roubar-lhes o motor de popa e outros pertences, depois, fogem para os meandros das intrínsecas ilhas do arquipélago do Parque Nacional Anavilhanas com cerca de 400 ilhas, difícil pegá-los. Quem quiser se aventurar apescar naquelas bandas, não pode nunca deixar de lado a velha chumbeira, a amiga de dois canos para todas as horas, pode acreditar, é um santo repelente, nem precisa usá-la, basta ostententá-la, que os meninos de visão apurada, já de longe reconhecem, prática comprovado por muitos.

O fato é, que a curiosidade foi crescendo a cada história ouvida, as urêias coçavam de curiosidade, não demorou muito para combinarem uma pescaria por aquelas bandas, como já foi dito, “para tirar a limpo essa situação”, não só por isso, mas também porque o lugar é por demais atrativo para pescarias. Os destemidos então, partiram numa expedição dizendo para as esposas que iriam tentar desvendar os mistérios que pairavam naquele lugar de belezas deslumbrantes. Nos preparativos, se fizeram acompanhar de algumas caixinhas de cerveja, coisa pouca, só deu para encher o espaço da caixa d'água de 500 litros do barco, tome-lhes latinhas, arrumadinhas com jeito, cabe é muitas. A expedição se compunha de experientes caçadores, algumas maricotas (chumbeira) um cachorro já pelado num dos quartos, de tanto se deitar na mesma posição perto do prato de comida, mais duas canoas, dois piloteiros mateiros, auxiliares de faz tudo, um bote de alumínio contendo caixas de gelo, mantimentos, ferramentas, e farto material de pescaria.

Já na boca do Apuaú apoitaram o barco grande e seguiram viagem com as canoas puxando o bote de mantimentos. Enfrentaram já de cara o primeiro obstáculo, uma corredeira fraquinha, passaram na maior moleza, já existia até um caminho por entre as pedras, coisa que a própria água cavou sozinha, foi tudo bem também. Passaram por mais duas igualitas tranquilamente, o que se vê de corredeiras e cachoeiras naquele lugar, não está escrito, na quarta, muito extensa e caudalosa, cheia de pedras lisas, tiveram que fazer um reforço nos cabos por terra, para poder puxar as canoas e escorrega-las pelas pedras mais adiante, por onde desciam um monte de enguias, alguém disse que eram filhotes de aruanã, logo uma dessas enguias se enrolou na perna de um deles, então puderam ver que não se tratava nada daquilo, e sim, eram cobras mesmo, parecem que estavam no cio, escorriam entre as pernas dos aventureiros. Com esforço conseguiram passara mais essa sem perder nada.

E assim foi, até chegar na grande cachoeira do pilão, já a boquinha da noite, sem visão, resolveram montar acampamento ali mesmo. Notaram que ao lado da dita cachoeira, havia um enorme lago, cheio de escumas (bolhas de ar ou gases) brancas flutuando, como canarana abundantes nos furos, ouviram dizer que era rastro de cobra, é muito comum se ver no meio do Rio Negro, aquelas linhas de escumas brancas que logo se desfazem, mas alí não, elas permaneciam coesas e cada vez subiam mais, como se o leito se remexesse com a passagem de alguma coisa bem grande, haja vista a extensão do lago e o amontoado da brancura daquela coisa de “bubuia”. Dizem os mais antigos, e olhe que aquela turma se somadas as idades dava mais do que a idade de Matusalém, que alí habitava uma enorme cobra grande, a temida boiuna. Não deram muito crédito “praquilo”, armaram as barracas, alguns suas redes, fizeram as prateleiras para acomodar os mantimentos, juntaram umas forquilhas para segurar a trempe na fogueira, “assaram” o café, coado no pano, fritaram uma mexida com cebola e fiambre de carne bovina Bordon, um pedaço de jabá cortado bem miudinho, farinha do Uarini bem caroçudas, enfiaram bucho à baixo e cada um se ajeitou no seu poleiro, tudo corria bem até ao anoitecer, mas já na boquinha da noite, quando a escuridão começava a tomar conta de tudo, começaram a ouvir um grande agito na água do lago, inicialmente bem suaves como o início de uma ventania que foi aumentando, mas o diacho é que não haviam movimentos das folhas das árvores onde estavam atadas suas redes, nem mesmo a frágil barraquinha de lona se mexia, a coisa foi aumentando até chegar a se tornar ensurdecedor, sem ninguém entender a causa daquilo, estranhamente também ninguém aventurou lançar uma teoria, todos velhos matreiros se calaram. E num dado momento um rebojo gigantesco que elevou o nível bem no meio das águas do lago e logo em seguida um grande estalido, para depois não se ouvir mais nada. Nesta noite, ninguém conseguiu dormir.

Na manhã seguinte, arriscaram buscar uma caça miúda para ajeitar a mistura, um cateto, uma cotia, até um macaco era bem vindo, mais tarde, os matreiros retornaram com as mãos abanando, se não fosse as traíras que pescaram no tal lago, eles estavam bem “arranjados”, como dizem por lá, sem nada pra mistura. Desse modo se passou o dia todo, caça que é bom, nada, nem rastro se via. Desta feita, trataram de desarmar toda as tralhas e cuidaram de sair dali, tiveram que transpor a dita cachoeira do Pilão, transpor não, arrodear!...porque da altura que é, não tinha a menor condição. Depois desse obstáculo, conseguiram chegar mais adiante onde avistaram ao longe uma grande extensão de praia tranquila, areias branquinhas, mas, ao se aproximarem, depararam com uma família de ariranhas selvagens com crias novas e uma enorme onça, cercando o bando, era um agito geral, as ariranhas são territoriais e defendem seus filhotes com fúria, o interessante é que nenhum desses animais se intimidaram com as canoas, pareciam que eram coisas pequenas que não mereciam atenção, já acho que a ameaça da onça merecia mais atenção que as canoas, porque as ariranhas na água, se garantem. A onça, uma pintada de pelo menos uns 80 quilos, se pôs a beber água tranquilamente na margem do rio, com um olho no bando, esperando um descuido, só levantou os olhos para nos avistar, nem sequer parou de puxar água com a língua, que de tão perto, se ouvia os “plec-plec” da costa da língua ressoando n’água, criando um fluxo continuo pra dentro da garganta da bichona. O pessoal até que se preparou com as chumbeiras na mão, mas achou melhor seguiu viagem, passou ao largo daquilo ali, quem for podre que se lixe, quem manda as ariranhas dar mole, não vamos comprar briga dos outros, disse o mais experiente.

Novamente armaram as barraca e tudo o mais, bem longe dali, com a intenção de passar três dias pescando e caçando, a estória do rebojo da Boiuna do lago da Cachoeira do Pilão, ficou só nas conversas, de fato mesmo, não tinham visto nada. Nesta mesma tarde, seu Zé, um dos matreiros, saiu sozinho para caçar e já chegando a noite, nada do seu Zé, foi quando sentiram que a coisa era mais séria, sabiam que ele não era nenhum abestado, conhecia a mata como ninguém, até já morou numa colocação de um seringal no Acre, cortando seringa. À princípio, os amigos chamaram por ele bem alto, cada um deles escolheu uma trilha, perto do acampamento e começaram a chamar aos gritos, bater nos troncos dos paus, como fazem os Mapinguarys (Os mapinguary, também designado isnashi, é uma criatura lendária descrito como sendo coberta de um longo pelo vermelho, e vivendo na floresta amazônica do Brasil e Bolívia) quando querem confundir os matreiros, batem vigorosamente com o calcanhar nos troncos ocos das árvores, desviando os matreiros, mas, nada do seu Zé.

Pela manhã este surge, sem camisa, mais amarelo do que tucupi de primeira espremida, completamente desnorteado e não dizendo coisas com coisas, só falava que a cobra grande o encantou com seu assobio fino, que o fez desviar do seu caminho até a barranca do rio por onde havia um enorme buraco na terra que o tragou como um tobogã, diretamente para o fundo do lago, coisa de louco, disse um para o outro, o pessoal já cabreiro, fez ele se sentar e tomar um pouco de “gagau” (cerveja) e esperou se acalmar, para contar a história, o pior é que ele não mudou nada daquilo que contou, aliás, até aumentou foi mais, contou que quando chegou no fundo do lago, se viu diante uma luz enorme que alumiava tudo lá em baixo, porque acreditava estar no fundo do lago, depois disso, apareceram uns vultos cercando-o, levaram-no para uma espécie de sala, deitaram-no numa cama cheia de tubos e fios, desse ponto, perdeu as forças por completo e desmaiou. O interessante é que, diz ele, não sentiu a menor vontade de respirar era o que lhe intrigava, achava que estava numa grande bolha de ar, acha isso até hoje, que foi encantado, lá em baixo, viu de tudo, como uma grande cidade com vida própria, só não sabia o que fazia lá. Quando retornou (acordou) notou uma estranha tatuagem no peito, bem pequena, muito parecida com aqueles dragões dos desenhos chineses, o interessante é que não sentia dor. Alguns dos amigos acreditam que ele fora abduzido para alguma experiência alienígenas, mas isso fica para outra história. Com essa, os amigos encerraram a tal expedição e voltaram com suas histórias, cada um as contou dos seus modos, eu sou um deles.