Terreno baldio

-Deixa pra lá Ci, eles não querem ouvir uma historia triste mesmo.

- mas eu quero Ma, conta só pra mim vai?

-Eu acho que não é bom pra você também não. Ficar ouvindo lamentação minha do passado. Deixa pra la e pronto.

Ma passara o dia todo pensando no que tinham lhe dito, que ela deveria contar para alguém o que aconteceu aquele dia, ela parecia muito estranha desde então, e não havia contado a ninguém.

Sabia que podia confiar em Ci, mas tinha vergonha, sentia-se culpada, sentia-se suja, não queria lidar com o olhar dela de pena, sabia que algo iria mudar entre as duas.

Não conseguia para de relembrar vezes e vezes na sua mente o que aconteceu aquele dia. O sorriso no rosto dele, ao dizer que estavam onde ninguém podiam ouvi-los. Os olhares dele de um lado pro outro em busca de alguém passando ou espiando, mas não tinha ninguém, ninguém apareceu, e Ma bem que desejou com todas as forças que alguém tivesse aparecido para salva-la. Lembrava dele pedindo pra ela levantar o vestido. Desde então tomou ódio de usar vestido, não suportava sequer olhar pros seus pendurados no armário, jogou todos fora. Como se jogasse fora a memória daquele dia.

As mãos dele ásperas lhe arranhavam a pele com seu toque. Ela quis gritar, mas não saiu som nenhum. Ela quis correr, mas teve medo dele. Quis chorar, mas seu corpo e sua mente pareciam estar desconectados para sua própria segurança emocional. Para que ela não se desse conta do que estava acontecendo. Do abuso que sofria, nos traumas que viriam.

O mundo parou, sua mente falava com ela que tudo ia ficar bem. Que ela não era uma menina podre por dentro. Que não tinha culpa.

Não parava de ir e voltar nessas cenas, se sentia sem ar, as lagrimas escorriam pelo seu rosto sem ela nem notar, era Ci que as vezes percebia e a abraçava, estava preocupada com Ma.

-me conta Ma, por favor, eu quero te ajudar, pode confiar em mim.

-Desculpa Ci, eu não consigo...

-quem sabe se você escrever pra mim o que houve, como uma carta? Eu prometo que não vou te julgar.

Pensara nessa ideia de Ci, escrever sobre isso, sentir certo alivio ao botar pra fora. Poderia dar certo. Precisava dormir a noite, se sentia muito cansada, tinha pesadelos e andava insegura pelas ruas. Precisava voltar a viver. Só não sabia como. Lembrava disso como se tivesse acontecido poucos dias atrás, sabia que ele nem deveria se lembrar, ou talvez fingisse que não lembrava. Já vivia sua vida casado e tinha até uma filha. Ninguém suspeitaria disso, e talvez nem acreditassem nela. Os dois tinha pouco mais de 5 anos de diferença, e ela era muito criança quando aconteceu.

-Será que algum dia eu vou conseguir me libertar disso Ci?

-voce vai Ma, tenho certeza, comece dividindo sua dor comigo, eu te ajudo a carregar, eu alivio pra você, confie em mim.

...

Se você sofreu ou sofre abuso sexual, moral, procure ajuda. Conte pra alguém. Denuncie, não se cale, não se culpe.

emillybuscaroli
Enviado por emillybuscaroli em 03/02/2022
Código do texto: T7443911
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