PESCADORES

Não que não queira ir por aí, deve ser um atalho, mas sempre usamos esta picada, antiga, familiar.

- Vamos tentar, quem sabe é melhor, disse ele!

Lembrei de meu pai que dizia: "passarinho que anda com morcego, dorme dependurado" trocar o certo pelo incerto... sei não!

Eu e Gerardinho Íamos pescar bagres, tinha chovido, água turva, do jeito certinho. A tralha era pouca e a isca, minhoca que eu tinha catado no terreiro, perto do rego, úmido.

O poço bom, sem galhadas pra enroscar anzol, ficava numa curva do córrego, lugar ermo, fechado e com histórias de arrepiar, assombração...

Era sexta-feira, trabalhamos o dia todinho, capina, tarefa de 14 braças, feijão das águas. A chuva foi forte, sujou a água. É quando os bagres vão se alimentar com as coisas que a enxurrada carrega. E na boca da noite, perfeito.

Você deu a ideia, vai na frente, toma o facão, muita unha de gato. Com pouco tempo já pensei em voltar, mas ele pra não dar braço a torcer, abria picada, meio às cegas, perdemos o rumo.

Eramos vizinhos - malungos - amigos desde a infância, ele era bom de viola e tinha uma primeira limpinha, sempre juntos, eu segunda, e arranho um violão. Eu namorava a Terezinha, irmã dele. Mas ele tinha um ponto fraco, supersticioso e medroso, perdia sono de cisma. Era nossa diversão atazana-lo. Ele dizia trêmulo " faiz isso cumigo não, sinão num drumo". Tadinho.

Pelo caminho conhecido eram poucos minutos, já estávamos a quase meia hora e nem sinal do corguinho, trocou de mão o facão, deu calo d'água. Não ajudei, me fiz de bolo, ria por dentro.

- somos dois bobos disse ele. Ficamos inventando moda... já podíamos estar pescando, rimos.

Chegamos, ele suado e mãos doendo, fizemos um foguinho, pois ajudava espantar os pernilongos, que eram muitos.

Foi como imaginamos, logo as fieiras estavam cheias, e só grandão. Entretemos. Escureceu.

Tinha recentemente conversado com o Tunico do Zé da Eva, e ele me contou que nem pra pagar promessa voltaria a pescar naquele poço, e me jurou de pés juntos que ouviu gargalhadas e barulhos que não eram de gente, na última vez que foi pescar sozinho. Lembrei, me arrepiei e falei pro Gerardinho o que ouvi. Mal acabei de falar ele já estava com a tralha recolhida e pude ver os olhos aterrorizados dele...

- bamo imbora?

Eu quis dar uma de corajoso, mas não relutei, pegamos o caminho conhecido e ciscamos, rapidinho. Ao sair do mato e pisar na estrada, foi como chegar a um porto seguro. Não olhamos pra trás.

Limpamos os peixes, deixamos pra Terezinha fazer o "moi de bagri cum mastumate", arroz da hora e almeirão roxo escaldado. Tudo feito e servido no fogão a lenha.

Fui em casa enquanto ela preparava a janta, me banhei, peguei o violão e voltei. O encontrei afinando a viola.

Ficamos na cozinha mesmo, tomamos um golinho da cachaça que buscamos no Tião Bento, comemos, e tava bão dimais da conta; cantamos, fizemos um cururu sobre a pescaria, namorei um cadiquinho, fui pra casa feliz: pelos amigos; pela fartura, pela futura esposa; e principalmente pela boa vida da roça.

Logo voltaremos ao poço, gostamos, mas iremos pela picada conhecida e tomara que não ouçamos as terríveis e assombrosas gargalhadas... aff.

Cesar de Paula
Enviado por Cesar de Paula em 01/02/2022
Reeditado em 03/02/2022
Código do texto: T7442779
Classificação de conteúdo: seguro