PETRÚCIO MEDRADO
Petrúcio Medrado veio ao mundo em férias. Nunca deu um dia de serviço a ninguém. Filho de político viciado no poder e de grande influência no município. Quando se elegeu prefeito, levou o filho para ser seu aspone* e usufruir as benesses de ser político, categoria que pode tudo e não presta contas a ninguém. Uma vez lá dentro, participando dos conchavos e falcatruas dos outros salafrários, os sucessivos mandatos ficam desde sempre garantidos pelos currais eleitorais, pelas coligações com votos proporcionais e principalmente pelas fraudes nas urnas que têm o dom de esconder o voto depois que o eleitor confirma e só apresentar o resultado na sala secreta, incapaz de ser auditado. O resultado é esse, quer queiram ou não. Pronto e acabou-se.
Numa dessas campanhas, Petrúcio, candidato a vereador, foi aconselhado pelos puxa-sacos a comparecer aos comícios para que o povo tomasse conhecimento de sua cara sem vergonha. Mas estar no meio do povo era algo novo e totalmente desencorajador para quem nunca tinha ido uma única vez sequer à feira livre, numa sinuca com a camubembagem ou trocado dois dedos de prosa com os bangalafumengas do boteco.
Para amenizar o problema, o presidente do partido sugeriu um guarda costas e a escolha, como não poderia deixar de ser, recaiu sobre Antônio Lopes, arruaceiro conhecido pelo vulgo de Tonho Marrento, cujo significado da alcunha, garantia a qualidade do serviço. Todo final de semana, nos bailinhos, na boate de Zefa Gulosa ou nos botecos em fim de feira, Tonho Marrento amassava a cara de alguém com quem ele cismasse ou algum desavisado que estivesse olhando para ele com insistência ou não.
- Eu sou que nem bexiga, só dou na cara!
Era o refrão depois de cada demonstração de valentia.
Numa terça-feira, perto das onze da manhã, Petrúcio Medrado, pálido como a vela do Santíssimo, magro como um palito de dentes, estava fazendo a caminhada política, apertando até mão de manequim nas portas das lojas da Rua Grande, acompanhado pelo séquito de bajuladores. Quando chegou no Largo do Vigário, alguém disse bem alto – esse candidato parece uma seriema do brejo – Tonho Marrento danou-lhe a mão na cara que o cabra deu uns passos para trás caindo zonzo por cima das plantas. Como não houve reação, Tonho Marrento seguiu adiante fazendo o serviço de guarda costa.
Acontece que o sujeito que levou o tabefe não era de levar desaforo para casa. Levantou-se, pegou no canteiro um seixo rolado de bom tamanho, foi atrás do cortejo e sem qualquer aviso, bateu com toda a força que tinha no pé do ouvido de Tonho Marrento que caiu no chão desacordado agitando as pernas em visível convulsão.
Que é que aconteceu?; quem deu essa pedrada?; Valha-me Nossa Senhora!; Quem foi que fez isso?; Arrmaria!; Sangue de Cristo!; Que diabo é isso, Nazinho? (Biu Cego perguntou ao guia)
Ninguém soube informar nada, porque o autor sumiu no meio do povo...
Aproveitando-se do incidente, Petrúcio Medrado, mais que depressa desistiu da “caminhada política” e foi quase correndo para casa para desinfetar as mãos com detergente e muito álcool, enquanto Tonho Marrento era levado para o pronto socorro. Uns dizem que morreu, outros que ainda está se recuperando, outros que ficou doido por conta da pedrada. O fato é que desde então ninguém mais o viu.
GLOSSÁRIO.
Bangalafumengas = horda de vadios, gente sem valor, ralé
Bexiga = varíola
Camubembagem = o mesmo que bangalafumengas, mendigos