A HISTÓRIA DOS "PAM-PAM"
A HISTÓRIA DOS "PAM-PAM"
Acordei nesse derradeiro dia do nefasto 2021 às 3,36 hs da madrugada para "esvaziar o tanque", "regar as plantas" ou, traduzindo para os desentendidos, fazer xixi, mijar... e acordei feliz, a questão da herança de meu pai -- que se arrastava na Justiça desde que faleceu, em 2015, aos 97 anos -- foi solucionada (assim espero) da forma mais bizarra possível, com a pessoa que "atrapalhava" o processo largando tudo. Acordei tendo tido "meio sonho", aliás, um terço dele, um "tico" só: assistia cena de propaganda na TV com 2 "caipiras" narrando o "causo" abaixo, com meu irmão (no sonho) tentando me explicar o que eu não entendera, ou seja, quase tudo. Eram duas figuras bem feias, uma com colar de "flores" de prata muito esquisito, a lhe apertar o pescoço grosso. O outro, seu amigo, mais feio ainda, só ouvia a narração estapafúrdia. Como falta história nessa "estória", tive que preencher as lacunas do jeito que deu.
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Os fatos se passaram nos rincões de Minas Gerais -- de "Grande Sertão - Veredas" -- ou nos sertões de José Lins do Rego, Euclides da Cunha, Leonardo Mota e outros mais. Peguei "emprestado" algo de Jorge Amado, de seu belo "ABC de Castro Alves", onde o poeta condoreiro narra o amor proibido entre duas famílias que se odeiam, ao estilo das de Exu, contadas por Luís Gonzaga. Minhas escusas ao "vate dos escravos", não posso "inventar" tudo, não sou um gênio das Letras.
Antes, preciso explicar porque razão surgiu o estranho duelo que marcou para sempre a história da cidadezinha, onde as Famílias Lima e Limão comandavam, alternando-se no poder e enchendo o cemitério de desafetos... e até de parentes "desguiados". Séverino fôra criado entre seus primos Lima, o Ardelino e o Zé Lino, duas "pragas" que o detestavam, pois nascera na cidade grande e tinha o ar metido dos "fatiotados", que usavam terno e gravata. Ainda rapazote, resolveu repetir no Brasil o romance que Shakespeare imortalizou na Inglaterra. (Alguns dizem que o bardo nem existiu !) Já Celina, dos arqui-rivais Limão, deixou-se cativar e cortejar pelo "maldito Lima" como gesto de liberdade feminina que todo aquele machismo cretino sufocava. Lá como cá, era "tragédia anunciada"... os primos não perdoaram o janota que, traindo a família Lima, "se deitara" com aquela "rampeirazinha" dos Limão e que agora esperava um filho bastardo, "sangue imundo" na visão dos dos 2 lados.
O irmão mais perverso da quase-menina tomou drástica decisão: isolou-a num barraco no meio da mata e, adiante, mandou "abrir a barriga" dela e tirar-lhe o bebê. Séverino nada soube sobre isso, fugira do lugar logo após "dormir" com a mocinha, que pagou sozinha o preço do "amor proibido". Se passaram anos e Séverino soube que sua tia Maurina Lima estava muito mal e pedia para vê-lo, desejo de moribunda, irrecusável. Como não era besta e sabia que lhe queriam a cabeça, mandou seu amigo feio (e gago) "sondar o terreno".
"Zelão" desceu do tremo (ou lotação, sei lá) sob o olhar desconfiado dos irmãos de ambas as Famílias, que intuíam que o covarde do Séverino apareceria para a última visita à tia às portas da Morte, que êle adorava. Quando "Antão" (José Antônio tinha 2 apelidos) perguntou pelo casarão dos Lima, só confirmou as suspeitas... recebeu uma cusparada do Ardelino Lima, levou um tapa do Maucelino Limão, deu e recebeu socos e pontapés do Firmino e Cristaldino -- pelo lado dos Limão -- e pauladas de "Zé Lino", "com os cumprimentos" da família Lima.
-- "Vai dizer pr'aquele "rato" que vamos lhe tirar o couro" !
-- "Diga pr'aquela "cobra" que vamos lhe tirar o couro" !
"Zelão" só teve forças para gritar que Séverino "voltaria para acabar com a raça deles todos", antes de desmaiar. Acordou com um balde de água fria na cara, todo quebrado, sem 1 costela inteira e voltou no mesmo "lotação" (ou seria trem ?) para a cidade grande.
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A partir daí, quem conta o restante da história (na telinha) é o outro feio, o mais feio:
-- "Voltei lá, "Zelão", que não sou peru, pra morrer de véspera... estavam à minha espera na entrada da cidade, tardezinha já, eu com o sol na cara, como planejaram os desgraçados. Me fizeram um "corredor" -- os Lima e os Limão -- pra acabar comigo. Ardelino e Zé Lino pela direita, a 6 passos um do outro e, na ala esquerda, "nos intervalos", igual formação: o "verme" dos Limão, o Firmino, mais a "peste" do Maucelino e o "ferrabrás", "filho do Capeta", o Cristaldino, o que mandou matar a própria irmã e o neném ainda na barriga" !
Me senti o Giullianno Gemma... êles lá com o "pau de fogo" deles, garruchas e mosquetões de um tiro só e eu com meu reluzente "3-Oitão" novinho em folha, de 7 balas. Êles na espera, era duelo à vera, não queriam execução"!
-- "Aqui estou eu, cadê o macho pra me parar" ?!, gritei e atirei antes que o Ardelino Lima fizesse um gesto... PAM !
Os 2 vaqueiros mais próximos nem pestanejaram, viam gente morrer como gado todos os dias, pelos mais variados motivos. Se olharam e Firmino "rosnou":
-- "Então, esse é o porco com sangue dos Lima... olhando de perto não me parece grande coisa" !
"Zé Lino" acusou a "alfinetada", mas devolveu no mesmo tom:
-- "E não é mesmo... adora uma "quenga" com sangue dos Limão" !
Daí, entrei na conversa, queriam me distrair, os patifes:
-- "Vão ficar matraqueando feito maricas ? Não tenho o dia todo" !
Avancei 3 passos e ouvi 2 PAM, os desgraçados do "Zé Lino" Lima e do Firmino Limão tinham atirado quase juntos, os covardes. Vi o sorriso do Firmino e senti dor horrível no fígado. Alguém errara um dos tiros. A vista escureceu, vislumbrei umas sombras e atirei... PAM, PAM !
Me restavam 4 tiros mas eu não conseguia dar nem mais um passo. O suor descia pelo rosto, me queimava os olhos... pelas vozes "percebi" outras duas sombras e atirei... PAM - PAM !
-- "Errou, palerma... é o seu fim, miserável" !, "silvou" Maucelino, cheio de "veneno" na voz.
-- "Anda, desgraçado, quero te mandar pro Inferno" !, berrou Cristaldino, mau feito pica-pau.
Ouvi outros 2 PAM e senti um baque no peito e uma dor insuportável no ombro esquerdo. Vi seus rostos crescerem na minha direção, gargalhando. Caí de joelhos, gastando as derradeiras balas... PAM - PAM" !
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-- "O restante da história me foi narrado no ambulatório, modesta enfermaria, por um amigo dos tempos da escolinha, que entrou de noite pela janela, escondido. Disse que estavam me enterrando, caixão da tia Maurina por baixo do meu pra "economizar" buraco. Eis que, de repente, eu dou um berro e jogo pro alto a tampo do esquife barato, de tábua ruim. O povo todo saí correndo, isso era "coisa de Satanás"! O padre desmaia ! Tinham me dado por morto, com velório e tudo e eu, lá, durinho feito mamão verde. O medalhão de São Jorge Guerreiro me salvou do tiro do Cristaldino e eu, cego de dor, consegui acertar os 2 trastes no peito, quando se aproximaram pra me ver morrer" !
"NATO" AZEVEDO (em 31/dez. 2021, 6hs)