O diário de um alienígena. Dia 10. Berlim não tem culpa.
A chuva goteja na vidraça com seu cinza triste. A chuva fria e indiferente, cega e pegajosa, embala a natureza com sua interminável parede de umidade. A chuva, como na minha infância, é o sussurro e o choro dos céus. A chuva me chama, me atrai com sua magia, e eu corro para o ar puro, respirando sua doçura com todo o meu corpo.
Vôo como uma pequena folha de outono ao longo de casas baixas pressionadas umas contra as outras. Em algum lugar, um tratorzinho zumbe, removendo folhas da calçada. Mas não estou entre elas, fujo em direção aos trens que tocam os trilhos.
Ouço uma língua estrangeira. Ela é tão familiar que penetra na minha alma queimando todo o meu corpo. Entro, perdôo, volto para a cidade, que se converteu em páginas do tempo. As alucinações aparecem em um pulso frenético, onde vejo a raiva e as chamas das bandeiras nazistas. Rostos frios de avenidas me acompanham em uma jornada urbana. Pássaros majestosos esperam por mim nas pedras do Portão de Brandemburgo. Estou já nos degraus do Reichstag, o fosso da besta. Aqui, Hitler acreditava tanto em sua superioridade e eternidade, porém, agora, neste mesmo lugar, está o centro da democracia europeia.
As crianças brincam na praça em frente. Suas risadas felizes soam como um sininho acariciando meu ouvido. Berlim não tem culpa de minha mãe estar morrendo de câncer em um de seus hospitais.
A chuva chora, e eu também choro junto com ela e com um violino de um artista de rua na entrada do metrô. Também choro porque não consigo mudar nada, não consigo voltar no tempo, não consigo abrandar os segundos que correm tão rápido. Tic-tac, tic-tac ...