Capítulo 17: O desacato à autoridade
Quando as notícias se esgotaram e a comida posta à mesa também, o fazendeiro mandou o genro providenciar para que alguém selasse o seu cavalo alazão. O único que ele usava para viagens longas, pois era um cavalo forte e fogoso, que conhecia e obedecia os comandos do dono sem nenhum esforço.
Diziam os mais supersticiosos que o mesmo havia sido presente da Caipora, pois sempre que aparecia na fazenda com a longa crina trançada ninguém conseguia montá-lo. E até para trazê-lo ao curral nos dias que o Senhor Fontes não precisava dele para sair era impossível fazê-lo obedecer. Porém, como se pressentisse estar sendo chamado, quando o fazendeiro precisava viajar, lá estava o cavalo nas proximidades da sede da fazenda e não precisava muito agrado para que fosse convencido a deixar-se paramentar.
Por esses e outros motivos, o cavalo era especial para o fazendeiro.
Devido ao peso da charrete, a mula do Sr. Juvenal não teria condições de retomar a viagem de volta, mesmo com a carroça vazia, dada a pressa com que o Senhor Fontes planejara a viagem de volta. Por isso escolheu também um cavalo robusto pra poder acompanhar o sogro devidamente.
Cavalos selados o Sr Juvenal entrou na casa grande e já o Senhor Fontes o esperava vestido para viajar. Seu fardão no estilo coronel, botas de canos longos e chapéu de abas largas escondendo a cabeleireira ainda negra e reluzente, lhe renovava os ares de grande proprietário de terras da região, o remoçando coisa de uma década, pensara o genro com seus botões. Mas também poderia ser que a alegria de poder viajar de novo, ainda que por um motivo constrangedor, o fizera se sentir mais animado. E quando o espírito se anima as pessoas rejuvenescem.
O que eles não sabiam era que esta seria a última vez que se vestiria e se sentiria assim.
Recolhendo o coldre com a arma que sempre usava em viagens de cima da mesa, pegou das mãos da calada Dona Emília o alforje com comida e água e então partiram para Itabaiana. Dessa vez o Senhor Fontes não chamou nenhum acompanhante (capanga). Não queria chamar a atenção do povo. E como já estava anoitecendo queria usar a escuridão para passar despercebido nas partes da estrada onde pudesse haver alguma casa aberta à noite.
Assim iniciaram a viagem para a cidade de onde o Senhor Fontes não voltaria mais para casa como "homem livre”.
Ao chegarem na cidade de Itabaiana após uma noite inteira de viagem e mais um tanto considerável da manhã, os dois homens estavam exaustos, mas o Senhor Fontes passou direto pelo armazém sem nem ao menos parar para rever a filha Zelita e o neto. Tinha pressa de descobrir o paradeiro do miserável vaqueiro que ousara afrontá-lo. Por isso foi ter com o Sr. Souza, dono do bar mais antigo do comércio local e ponto de parada dos varejistas que gostavam de jogar bilhar e tomar cachaça serrana enquanto falavam dos mais diversos assuntos.
Fora ali, no dito cujo bar, que o Senhor Fontes conhecera e contratara o Sr. Zé Luiz. Indicado, inclusive pelo próprio Sr. Souza.
Ao chegar na frente da antiga bodega, apeou do cavalo e amarrou as rédeas perto dum cocho d'água que havia ali como cortesia. Porém nem reparou se havia água. O Sr. Juvenal que o acompanhara mesmo a contragosto, também desmontara mas já não via mais o sogro, pois este já entrara no bar a passos largos. E quando iniciou a subida da calçada, o mesmo já saía pela porta que entrara resmungando algo e com aspecto contrariado. Parecia ter se dado conta de que não seria fácil encontrar os fujões.
Mas sogro e genro, não imaginavam que estavam sendo observados por um deles e que logo seriam vítimas de uma emboscada.
E como se pressentisse o fato, o Senhor Fontes deu uma olhada à sua volta, mas não avistou ninguém que lhe interessasse. Não viu nenhum rosto conhecido e continuou sua viagem. Porém, quando ambos dobraram a esquina que dava para a rua do armazém do qual eram sócios, avistaram a Arrural branca da polícia local, que após passar por eles fez o retorno e parou ao mesmo tempo que os dois cavaleiros na frente do estabelecimento. E antes mesmo que apeassem dos cavalos ouviram a voz de prisão.
Sem esboçar nenhuma reação, os dois desceram das montarias, levantaram os braços e viraram de costas. Um dos soldados aproximou-se para fazer o baculejo e encontrando sem esforço a arma que o fazendeiro sempre usava embaixo do casaco recolheu-a e , entregou ao delegado, que, após confirmar a identidade de ambos, liberou o Sr. Juvenal e conduziu o Senhor Fontes para o quartel da cidade.
De onde, após aguardar alguns dias para os trâmites legais, fora escoltado até o quartel da cidade de Arauá. Local onde ficou preso e à disposição do juiz da comarca, a quem o mesmo desobedecera expressamente com aquela viagem malfadada.
Do referido quartel o fazendeiro nunca mais saiu para rever suas terras. Ali mesmo recebia as visitas dos filhos mais velhos e de alguns parentes, bem como a do seu advogado que ao se inteirar do caso não dera à família muita esperança de soltura e ainda explicara que, de acordo com a documentação encaminhada ao quartel, o Senhor Fontes fora acusado de ameaça de morte e perseguição ao homem que fora procurar.
Além disso, as circunstâncias em que fora preso e o fato de desobedecer às ordens do juiz que o sentenciara à prisão domiciliar apesar do primeiro crime cometido apresentar requintes de crueldades, eram razões suficientes para desanimar qualquer defensor. Ainda mais sendo o caso novo uma reincidência, isto é, uma tentativa de assassinato semelhante ao primeiro, que mesmo não se consumando, apresentava indícios de um crime com premeditação.
Porém, sua função de advogado era fazer a defesa e este tratou logo de realizar tal obrigação. O dinheiro para o serviço já havia sido providenciado.
Mas o que resultaria do novo julgamento nem ele e nem ninguém poderia prever. Mesmo porque o destino do homem não está nas mãos do homem. Embora alguns teimem em acreditar que sim.
Adriribeiro/@adri.poesias