Capítulo 16: A fuga de Ana
Quando a prisão domiciliar do Sr. Fontes foi decretada e o mesmo se viu obrigado a permanecer na fazenda Olhos d'água sem dela poder sair nem para o comércio local, o homem viu toda a sua vida empreendedora arruinada. E ele, que vivia do comércio participando com bastante frequência das feiras livres nas cidades vizinhas e nos últimos tempos havia adquirido terras no estado vizinho e em algumas cidades próximas a Arauá, incluindo a última aquisição que fizeram em Itabaiana Grande, fora obrigado a distribuir seus bens para que parentes e amigos administrassem.
Fato que lhe custou não só a fortuna adquirida ao longo dos anos como também o sossego da sua alma de comerciante.
Com seus filhos ainda pequenos, pois o filho homem do primeiro casamento não tinha saúde mental e do segundo relacionamento o mais velho era José, ainda menor de idade, como se dizia na época, o fazendeiro não tinha ninguém de total confiança com autoridade e conhecimento para substituí-lo nas viagens mais difíceis e demoradas, tampouco nas negociações que costumava fazer.
A primeira propriedade que foi entregue a um parente foi a fazenda de Iunas no Estado da Bahia e seria esta uma das suas primeiras perdas. Disseram que a pessoa a quem o senhor Fontes a entregou para “tomar conta de cancela fechada” não era um parente próximo, porém seria um amigo por quem nutria uma certa consideração e estima. Mas o poder modifica as pessoas e os contatos do mesmo para notícias importantes foram ficando cada vez mais raros.
A propriedade de Itabaianinha, cidade vizinha de Arauá, também foi entregue a um irmão do Senhor Fontes para administrar e dizem que o mesmo também logo se afastou do fazendeiro. Mas como espalhou-se a notícia de que o mesmo havia se embrenhado pelas matas e que quase ninguém mais o via na sede da fazenda, não se sabe ao certo se isso corresponde com a verdade. Alguns acreditavam inclusive que era de interesse dele que ninguém o procurasse e até a própria fazenda Olhos D'água começou a ser cuidada pela filha Diva que então estava amasiada com o Sr. Zé Vaqueiro.
O armazém da estrada real ficou a cargo do filho José mas logo o Sr. Fontes resolveu fechar definitivamente. E o outro que abrira no comércio de Itabaiana havia sido entregue à filha Zelita e o marido para terem do que viver. Já que agora o futuro não lhe parecia nada promissor. E logo essa perspectiva negativa viria se confirmar pois, como afirma o dito popular: "o que os olhos não vêm o coração não sente".
E foi assim que, isolando-se de tudo e de todos, o fazendeiro não se deu conta das maquinações traiçoeiras que aconteciam em seu entorno, quer à quilômetros de distância, quer debaixo das suas próprias barbas, como diziam os mais velhos.
O destino lhe dera um fardo e um algoz. Estes sim, não o abandonariam nunca e eram fiéis...
Na fazenda Olhos D'água havia um ajudante de vaqueiro chamado Zé Luiz. Casado e pai de 12 filhos. Morador recente da fazenda, por volta dos 40 anos de idade. O qual não demorou muito para se interessar por Ana. E mesmo sabendo dos últimos acontecimentos na fazenda não tirava os olhos da moça. Aparentemente só quem não via esse interesse perigoso era o próprio Senhor Fontes, dada a sua ausência frequente da casa grande e do convívio social, ainda que mínimo, dentro das suas próprias terras. Depois da sentença o homem embrenhava-se na mata com tanta frequência que o povo voltou a dizer que o seu caso com a caipora havia sido reatado.
Foi por isso que o interesse do ajudante de vaqueiro pela sua filha lhe passara despercebido. E se de algum modo havia notado o interlúdio, ou não acreditara nos próprios sentidos ou pensara não haver perigo de uma nova desobediência da moça, cujo casamento rearranjado lhe custara um grande pedaço de terra, posto que após os fatos e falatórios o novo noivo precisava ser "compensado" pelas futuras “privações” e responsabilidades.
O destino no entanto não perdoara o fazendeiro pelos erros cometidos e logo traçou o caminho do seu cadafalso...
Ana se entusiasmou pelo homem mais velho e, sem que ninguém desconfiasse, fugiu com o mesmo para os arredores de Itabaiana grande, onde a irmã Zelita estava morando. Mas não fora procurar a irmã e o paradeiro daquela filha inconsequente só fora descoberto pelo Senhor fontes vários dias depois da fuga, quando o Sr. Juvenal, marido de Zelita, encontrou por acaso nas redondezas do armazém onde trabalhava, o tal Zé Luiz, que lhe confessou ter fugido com Ana e abandonado a própria mulher e os filhos na fazenda.
O ex-vaqueiro confessou ainda que andava muito assustado e evitando aparecer na cidade por medo do que o Senhor Fontes podia fazer com ambos. Porém, resolveu pedir ajuda ao conterrâneo para que obtivesse notícias do paradeiro da família. Pois, apesar do que fizera não lhes queria o mal.
O Sr. Juvenal, após saber de todo o acontecimento, conversou com a esposa e decidiu ir até a fazendo Olhos D'água para dar notícias ao sogro sobre o paradeiro da filha e, assim, também procurar saber da família que fora abandonada em suas terras. Homem prevenido que era achou melhor ir de carroça para o caso de precisar trazer a mulher e as crianças para sua terra natal.
E assim o fez.
Ao chegar na fazenda deu com o Senhor Fontes encolerizado. Procurou de todas as formas lhe contar o que descobrira sobre Ana sem deixá-lo ainda mais irascível, mas a verdade não permite enfeites como a mentira e logo o fato foi revelado em poucas palavras.
O fazendeiro, ao contrário do que o genro pensara, ficou calado. Nenhum grito ou xingamento. Nada! Só um balançar da cabeça e um olhar vago. Parado...
A dona Emília acudiu o genro aparecendo na porta e convidando-o para almoçar enquanto lhe pedia notícias da filha e do netinho.
Enquanto o antigo capataz se refrescava e se alimentava na cozinha, o Senhor Fontes deu cabo dum charuto caseiro num silêncio interminável. Até que, com a decisão já tomada, decidiu ir se juntar aos outros na cozinha.
Ele não podia imaginar, mas a decisão que acabara de tomar lhe custaria muito mais caro do que supunha...
Adriribeiro/@adri.poesias