O Burro Mal Educado
O Burro Mal Educado
Ernesto vestiu apressadamente suas ceroulas de americano cru, enfiou-se num impecável terno de casemira X.P.T.O London, calçou as lustrosas botas pretas; transformando-se num verdadeiro janota...todo galante.
Estava pronto para fazer um “pé-de-alferes”, afinal a mademoiselle Floripes era um primor e ele mal podia aguentar de “calça parda”; era a derradeira vez em que se atrevia a andar por “ceca e meca”, pois não aguentava mais ficar “debaixo do balaio” esperando ainda que fosse um “dedinho de prosa” daquela formosura.
Preparou então sua “capa-de-goma”, chapéu panamá, arreou o “ macho faceiro” com sua arreata de prata fluorescente e ardiloso desandou a galopar rumo a Fazenda Barreiro Vermelho, porém antes, apeou na botica, comprou balas-de-alteia e as meteu na algibeira.
Nesse entrementes, como cromo animava-se cheio de “nove horas”.
Estrada adentro, pulando como cabrito, limpou o defluxo que o incomodava, e foi quando começou aquela “dor no pé do estômo”, mas firmou as botinas no estribo e em plena ventania, arribou a cabeça e fixou as vistas no horizonte.
Lá estava ao longe a majestosa propriedade...um luxo, muito bem cuidada; as criações pastavam...um regato preguiçoso banhava as margens da estrada empoeirada.
Foi então que Ernesto pego “na boca da botija” via-se curral a dentro.
Floripes espreguiçava na soleira da porta que dava para o alpendre...faces de carmim, vestido floral, calçava apargatas-roda vermelhas...visão dos deuses pensou...
A moçoila assim que o avistou voou apressadamente para o interior da casa, deixando as saudações por conta do patriarca, coronel sisudo, bigodes fartos e prosa de “poucos amigos”
Feitas as honras de praxe, Ernesto foi convidado a adentrar pela sala de assoalho barulhento e rapidamente desandou logo o “vernaculino” sobre seus intentos quanto à donzela primogênita, na flor de suas dezesseis primaveras.
Coronel Firmino com certo melindre mirou o galante pretendente e começou então a oratória... de quando em vez usando a escarradeira, para desfazer-se de um pigarro insistente a incomodar sua goela seca.
Depois de intenso interrogatório, num brado rouco, o sisudo coronel berra para a mulher, uma minúscula senhora de aparência meio perrengue que mais parecia estar acometida de tísica e braveja:
- Gertrudes, vá buscar Floripes!
A mulher some casa adentro, e logo chega como que meio arrastando a vergonhosa donzela, num encolher de ombros e perplexa como se buscasse um buraco para se esconder.
- Esse rapagão quer fazer-lhe a corte, foi logo adiantando sem mais delongas, o astuto coronel.
Floripes soltava “fogo pelas ventas” agarrada a barra do vestido, fitava o rapaz estupefata...respiração a mil, numa mistura de espanto e prazer...afinal pela primeira e única vez experimentava aquela sensação estranha a subir pelas suas pernas rumo cabeça atordoada em surpreendentes pensamentos.
Assustadoramente sentia-se feliz...rendendo-se aos sorrateiros e encantadores olhares do pretendente...procurou então sentar-se em um tamborete próximo ao xaxim pendurado no teto
Longos minutos se passaram...em silêncio e cúmplices trocas de olhares...exalavam no ar promessas promissoras de sentimentos correspondidos.
Temeroso, Ernesto arrisca quebrar o silêncio e convida Floripes para prosearem na ante sala, onde presumia dissertar mais sobre suas pretensões.
Tudo a sua volta parecia contribuir para um promissor e feliz desfecho, quando inesperadamente foram interpelados por um relincho curto, acompanhado por grunhidos miúdos, entrecortados vindos em suas direções, acompanhados de esguichos de gases malcheirosos, procedentes do vigoroso animal...amarrado bem próximo do lugar em que se encontravam.
Pronto! Castelo desfeito...desmoronado!
Enrubesceram-se mutuamente num “sem gração” sem fim. Ernesto sem palavras procurava as palavras e um buraco no chão para se esconder. Floripes apressou-se em ventania para dentro da casa e não mais apareceu.
Na certa pensou Ernesto...terei que começar a matutar tudo outra vez e...
Voltou para casa com um só pensamento ...e enorme desalento..
- Eta ferro! Ainda mato esse maldito Burro mal educado!
Nancy Silveira
Junho/2000