Honra entre ladrões
Johnie havia servido na Europa durante a II Guerra Mundial, e ao voltar para casa, em Omaha, trouxera vários suvenir recuperados de instalações nazistas. Havia de tudo um pouco, inclusive itens de prataria, peças de uniforme, relógios de pulso, e um pesado anel de prata de lei, ostentando a figura de uma cabeça de cavalo.
- Isso não se parece muito com arte nazista - ponderei, ao me ver diante da preciosidade.
- Deve ter sido forjado em algum lugar da Europa Oriental - especulou Johnie. - É o que posso deduzir pelo local onde o encontrei: um bunker usado para guardar obras de arte roubadas, provavelmente da Polônia ou da Ucrânia.
Ergui os sobrolhos.
- E não tentou descobrir de onde isso foi tirado? Afinal, pode ser uma peça de museu...
Johnie deu de ombros.
- Ladrão que rouba ladrão... você sabe. Guardei de lembrança porque achei bonito; mas nunca usei, não tentei vender, ou coisa assim. Isso sim, seria errado.
E como argumento final:
- Além do mais, esses países da Europa Oriental estão agora sob controle dos comunistas. Por que eu iria querer devolver algo para eles?
Para não me indispor com Johnie, fiz de conta que aceitava suas justificativas.
* * *
Dias depois, Johnie me ligou, informando que depois da nossa conversa, resolvera tentar descobrir a origem do anel de prata.
- Apenas por desencargo de consciência - garantiu.
- E a que conclusão chegou?
- Realmente, tratava-se de uma peça de museu; - confidenciou. - Consta que pertenceu a Ivan Mazepa, um príncipe da Ucrânia que os russos consideram um traidor.
- Então... você vai devolver o anel para o governo da Ucrânia? - Questionei.
Johnie riu.
- Faço isso no dia em que a Ucrânia deixar de ser comunista!
E, só pra contrariar, daquele dia em diante, passou a usar o anel no dedo médio da mão direita.
* * *
Mais algumas semanas se passaram, e quando encontrei Johnie casualmente, saindo de uma cefeteria no centro da cidade, logo percebi que não estava mais usando a peça roubada.
- O que houve com seu suvenir? - Indaguei.
- Fui assaltado por dois caras - resmungou. - Acredite se quiser, em plena luz do dia, aqui, em Omaha!
- Era um anel muito chamativo - redargui. - Você deveria ter mais cuidado.
Ele me olhou torto.
- O pior foi que um dos caras ainda comentou: "não há honra entre ladrões".
De fato, não havia, pensei; mas achei melhor não tornar as coisas piores e guardei para mim o comentário. Meus contatos na Ucrânia já haviam me assegurado que o anel retornara ao seu lugar de direito, no Museu Nacional de História, em Kiev. E, naturalmente, os ucranianos haviam ficado muito gratos por tê-los avisado quanto ao paradeiro daquela peça histórica...
- [09-12-2021]