A História de Gongola o Rei da Gongada
A história baiana nos leva as lendas e mitos em cada época. No período escravocrata que levou mais de 300 anos os escravos africanos, trouxeram a sua cultura, tristeza, alegria e nos momentos de folga distrair-se. Nessas horas, eles extravasavam a sua tristeza em canto e música. Cada etnia demonstra o seu relacionamento com a tradição da música no corpo e na alma. Até no trabalho eles cantavam a sua dor e a sua alegria. Houve vários deles em épocas diferentes que caíram na boca do povo na maneira única de ser. Vamos acompanhar este caso:
Gangola, era africano de Angola, veio junto com vários outros garotos e separados na venda. Quem o comprou foi um comerciante de escravo Bernardino Figas. Levou-o para o seu casarão e juntou-se a outros que estavam no porão embaixo. Assim que chegou o feitor tirou as amarras do seu pulso e ele sentou no chão, triste a chorar. Seus companheiros cercaram-lhe e perguntou o seu nome ele diz: Gonga, todos da minha terra chama-me de Gongola. Que idade você tem? Tenho 15 anos, meus pais ficaram lá, fui pego no mato. Foi feito assim o primeiro contato de Gongola com os seus companheiros de infortúnio.
Já o dia clareando, todos em pé. Aguardando as ordens do feitor para seguir trabalho ou ser vendido para outro senhor. Ao chegar o feitor, todos ficaram em silêncio e o feitor fala: Todos ôces vão trabaiá de alugê pra outro nhô, só duas semanas e adispos vortá pra quí. Si o novo nhô gostá de um de ôces, nhô Figas vende., tá certo assim? E assim levou um grupo de seis negros recente chegados da África. O feitor montado no cavalo com o chicote na mão, na meia cintura um facão, chapéu de abas grande, mascando fumo de corda e a cuspir em todo o trajeto atrás da fila dos escravos. No caminho ouviam-se a voz triste de Gongola cantarolando em nagô o seu destino até a porta da cancela da chácara do nhô Fernando. O feitor bateu palmas e logo o nhô Fernando apareceu, com seus grandes bigodes e botas até o joelho. Recebeu os escravos e mandou que todos acompanhassem o outro feitor, para em seguida entrar na senzala. Aonde havia outros 10 escravos sentados em esteiras no chão. Foram ditos os nomes dos escravos da casa aos novos moradores e o mais novo era Gongola. Foram distribuídas as tarefas de serviços para cada um e logo no dia seguinte já estavam no roçado da chácara. O feitor deu roupa nova a Gongola e chapéu de palha com abas largas. Ele ficou satisfeito, sorriu pela primeira vez e saiu correndo aos saltos cantando música alegre. Depois se juntou aos outros no trabalho, sempre risonho e cantando. Em uma semana de trabalho já era conhecido por todos como “rei da gongada”. Porque sua música era alegre e tudo que ele tocava mexia os dedos da mão e transformava em som musical. Sabendo disso, um dos seus companheiros fez um tamborim e outro fez uma gonzá, estava feito os instrumentos de Gongola. Nas suas horas de folga, não havia tristeza na senzala.
Duas semanas passaram rápido, era a vez de nhô Fernando escolher qual dos escravos ele vai ficar. Na escolha ficou Gongola e nego Toiá um pouco mais de idade do que Gongola, tabalhador e brincalhão. Eram jovens e os mais procurados por compradores de escravos, mesmo porque os garotos escravos eram mais valorizados no mercado.
Gongola conheceu de perto o nhô Fernando que já conhecia a sua fama na música e na dança. Nhô Fernando autorizou ao feitor a fazer de Gongola um vendedor das verduras de sobra da chácara. No fim da manhã Gongola apresentava as vendas ao nhô Fernando. E assim foi iniciada a vida do escravo Gongola com riso, gargalhada e samba. Nas ruas da cidade todos conheciam o seu dom musical e diziam, “lá vem o rei da gongada” Nos dias de festas dos Santos de Igrejas, Gongola era contratado para cantar , tocar e dançar no coreto da cidade. Eram os seus melhores dias. Ele se vestia com trajes alegres; Chapéu de palha de abas largas, tipo funil. Duas fitas largas de cores vivas, vermelha e amarela, amarradas no chapéu. Camisa branca sem gola e sem mangas, curta de algodão grosso aberta no peito. Calça de algodão grosso branca com lista azul, dobrada no joelho, pés descalço. Nas mãos, tamborim e gonzá para fazer música e muita alegria pra girar o samba. Tinha a autorização de nhô Fernando que lucrava com o seu alugel aos organizadores da festa que eram os fiéis da igreja. Sempre aos domingos e feriados Gongola estava na rua ou na praça em volta no circulo de pessoas a baterem palmas e cantavam as melodias do seu repertório. Normalmente eram canções em língua yorubá ou misturadas com português. O povo compreendia e aplaudia porque entendia a sua linguagem e admirava a sua música e o seu jeito de sambar com muita movimentação. Sabia ser alegre e distribuía essa alegria para seus irmãos de raça. Mesmo dentro dele a tristeza do cativeiro doía a sua alma. Ele não passava isso pra ninguém, dizia que “a alegria é pra todos e a tristeza é só dele” foi essa frase que marcou Gongola como personagem única em meios de tantos revoltosos com a escravidão. Quando completou a maioridade ele pediu ao nhô Fernando a sua carta de alforria, foi negado. Ele disse que Gongola terá que trabalhar mais e pagar a carta de alforria. E pediu ao nhô reserva de um sábado ou domingo para exercer a sua profissão de músico. Com o dinheiro ganho ele juntou e comprou a sua liberdade. Porém, já era um homem maduro e não tinha mais vontade de regressar para a África.
Fazia parte de uma Irmandade de igreja e ajudava a outros irmãos em dificuldade. Mas seu jeito alegre permaneceu no canto e na música até quando as pernas podiam ser ágeis na dança. Morreu entre amigos na confraria, morte súbita, tocando gonzá. Sua morte surpreendeu a todos. O enterro foi com música entoada por seus irmãos no adeus alegre.
Gongola marcou o seu nome nas lembranças dos amigos que ficaram repassando a história do” rei da gongada”.
Álvaro B. Marques
SSA,02.06.2010