O BAQUE

Uma família unida. Gelton, pai carinhoso com os três filhos. União é o segredo para superar as adversidades, por isso é que se diz que o amor é a maior força que existe. Amor, Gelton tinha de sobra. Também trazia em seu rosto a marca da dor de ter perdido Neide, sua mulher que morreu precocemente. 23 primaveras. Eles se conheceram na infância, no bairro do Colégio ( subúrbio do Rio de Janeiro). Neide era a menina mais bela da rua, e Gelton era bem tímido e só focado nos estudos. Era um rapaz sonhador, o diferente da família. Gelton veio de uma família que não tinha estrutura nem regras, o tratamento era na ignorância. Não havia comprometimento com o amor. Mas Gelton era diferenciado, ele não aceitou seguir esse estilo de vida que maltrata a alma. Gelton sonhava com um lar, um casamento, filhos. Enquanto isso, muitos de seus amigos desfrutavam a vida desafiando o perigo, tarde da noite nos botecos cantando samba, na roda com mulheres. Isso em plena década de 60, em que vigorava a lei do homem ser responsável. Na teoria esta lei ainda existe, mas na prática a gente vê o mundo a cada dia perdido. Homens que " esquecem" que são casados, e quando são " lembrados" pela esposa, esta apanha. E os filhos assistem a triste cena, e eles passam a acreditar que amor tem a ver com tristeza e tortura. Gelton era um grande homem, um grande pai, amigão. Amou demais Neide. Seus filhos Marcos e Maurício chegaram a conhecer a mãe. Só Matias não a conheceu pois era apenas um bebê. Os dois mais velhos choram ao lembrar de como foi a partida da mãe: ela vinha do mercado com as sacolas de compras. A cabeça com o pensamento no filho Matias, que pela manhã havia tido febre. Ao atravessar a avenida movimentada, viu Marcos e Maurício junto ao portão. Neide foi atingida em cheio pelo ônibus, que avançou o sinal. Esse dia ficou marcado na memória dos dois irmãos. Maurício se sentiu, durante muito tempo, culpado pois gritou pelo nome da mãe e isso pode ter a feito pensar que algo muito grave estaria acontecendo com o pequeno Matias. Marcos, o primogênito, tratou logo de falar com o irmão que ele não teve culpa. Marcos era um menino amoroso, puxou o pai. A culpa foi do motorista do ônibus que não deu nenhuma assistência. Acidentes acontecem, infelizmente até fatais. Mas a injustiça começa a partir do momento em que se nega assistência. O medo de assumir a culpa é gerado pelo orgulho, e o orgulho tenta acabar com o amor. Mas o amor é infinito, não se restringe a uma presença física. O orgulho causa a separação, o amor a união. Gelton chega do trabalho, e antes que perguntasse se os filhos haviam feito a lição de casa ( como era de costume ele perguntar ), logo percebe o semblante triste e as caras arrasadas dos meninos. Marcos, o filho mais cabeça e menos coração, conta tudo o que houve para o pai. O homem então passa a fazer desta busca por justiça a razão de sua vida. Pai e filhos decidem não se entregar para a tristeza, permanecem sempre unidos. Gelton consegue um advogado na defensoria pública. Foram muitos anos nesta luta e nada! Gelton morreria também mais tarde juntamente com os filhos, mas precisamente sete anos depois do falecimento de Neide. A causa da morte deles também foi negligência, foi descaso. Desta vez a culpa foi da companhia elétrica. Foi o seguinte, Marcos, Maurício e o pai Gelton estavam vindo da casa de dona Leonor ( avó materna dos meninos), tinham ido buscar o pequeno Matias que estava assistindo lá o seu desenho favorito. Nesse tempo eram poucas pessoas que tinham televisão. Leonor foi uma das primeiras moradoras da rua a ter uma tevê. Marcos e Maurício gostavam mais de acompanhar lá os jogos do time do coração. Foi justamente no dia da decisão do campeonato que aconteceu o fatídico acidente.

Leonor era uma avó carinhosa, se juntou ao filho na luta por justiça pela morte de Neide, que era como se fosse uma filha.

Ao fim da conversa entre mãe e filho ( eles conversavam sobre o andamento do processo), Gelton pega o filho Matias. Marcos e Maurício já aguardavam no quintal, estavam brincando de bola. Avó Leonor dá mimos para os netos: camisas de times de futebol para os dois maiores e doces e biscoitos para o pequeno Matias. Aquela seria a última vez que ela veria o filho e os netos.

Aconteceu que no caminho, Matias que era a alegria da família pois era uma criança muito esperta e cheio de humor, ficou imitando o personagem do desenho animado. Era a primeira vez que Gelton ria desde quando ficou viúvo. A família estava aos poucos tentando retomar a vida. Mas infelizmente, houve um outro baque! Gelton, após parar numa lanchonete com os filhos, vai caminhando pela calçada. Esbarra nuns fios desencapados, serviço mal feito e deixado de lado pela companhia elétrica. Os fios vinham de um poste que sustentava um transformador. Gelton recebe a forte descarga elétrica, fica se debatendo no chão. As crianças atônitas, sem saberem o que fazer, seguram nos braços do pai na intenção de tirá-lo dali. Elas também recebem a descarga. Falta luz no bairro, o comércio para e todos assistem a triste cena. Só restou a Leonor conviver com a saudade. E pra todos nós fica muitas lições: Sejamos pessoas comprometidas com o amor, amor em tudo aquilo que se faz. Não permitir que o orgulho domine a nossa vida. Se colocar no lugar do outro. Saber que a tristeza, pois o desejo de ver a justiça sendo feita nos tira da acomodação da tristeza.

E acima de tudo: O amor é infinito.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima )

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 06/12/2021
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