A LENDA DO FRADE E A FREIRA.
O sino tocou no velho mosteiro, situado entre Cachoeiro e Rio Novo, no estado do Espírito Santo. anunciando a celebração da santa missa. As portas das celas se abriram e delas saíram os rapazes piedosos e calmos, com suas grossas vestes. Os rosários nos pescoços e a salmodia nas mãos. Os vinte e três frades desceram as escadarias em fila única. O belo canto gregoriano, ajudado pela acústica perfeita do colégio, parecia um cantar de criaturas angelicais. O rapaz nascido em Vitória estava há oito anos alí. Emanuel passou pelo noviciado e fizera os votos perpétuos de pobreza e castidade. O moço de vinte e quatro janeiros estava perfeitamente habituado às regras e a rígida rotina religiosa. Emanuel colocou o capuz na cabeça ao ganhar o pátio. O jardim florido e a fonte de água davam beleza ao local santo. O rio Itapemirim no horizonte, perto dali. Uma pequena caminhada até o refeitório. Os frades notaram a presença do carro do bispo. O rapaz de olhos azuis e pele branca percebeu que o bispo não estava só. O superior da ordem estava com o chefe diocesano, como de costume mas também com doze freiras. Elas se levantaram ao verem a chegada dos frades. -"Que belo canto. Continuem." Pediu o bispo, um amante do canto gregoriano. Ao terminarem,o superior da ordem apresentou as irmãs aos freis. -"Irmãos. O senhor bispo olhou por nós e por nossos esforços na catequese dos indígenas e ribeirinhos. As irmãs vão nos auxiliar na evangelização. Elas vão morar no prédio do velho seminário menor. Sejam bem vindas, irmãs." Os frades aplaudiram. Era nítida a felicidade do superior da ordem. A grande mesa de madeira do refeitório foi quase toda ocupada. Os frades de um lado, as freiras do outro. A macarronada com frango em molho e polenta era o prato perfeito daquele dia especial. Emanuel com o rosto abaixado, tímido. -"As irmãs já me conhecem. Sou frei Honorato, o superior. Vamos nos apresentar?" Cada frade deu um passo a frente e disse seu nome. As irmãs se apresentaram, uma a uma. A frente de Emanuel, a irmã Geovana se apresentou. O jovem frade abaixou a cabeça ao notar que a moça o admirava. As mãos dele suavam. Tinha visto moças bonitas e bem apanhadas em Rio Novo ou Taperoaba mas nenhuma era bela como aquele anjo a sua frente. -"Não vai comer a asa de frango, irmão Emanuel? Se não for comer, me dê." O rapaz saiu de seu transe. -"Vou sim, irmão José. Vou querer pão." Ele esticou o braço na direção da bacia de pães. Irmã Geovana teve a mesma idéia e as mãos deles se tocaram. A moça corou. Emanuel abriu os lábios. A voz não saiu. Eles se olharam. -"Olhos azuis de intenso céu, lindos." Ela pensou. -"Mãos de seda, macias como a pele de um felino." A freira sorriu. -"Me perdoe." Emanuel gaguejou. -"Por favor. As damas primeiro." As irmãs foram embora com o bispo, após conhecerem o mosteiro. Emanuel quase não dormiu naquela noite, pensando em irmã Geovana. Dois meses de reforma. Dois meses sem ver a irmã Geovana. O prédio do velho seminário estava pronto pra receber as freiras. Os aposentos e estudos eram separados mas frades e freiras trabalhavam juntos na evangelização. Frei Emanuel e irmã Geovana estavam sempre juntos, sorrindo. Servos de Deus e pertencentes dEle. A presença da freira deu novo ímpeto ao rapaz, que se doava ainda mais aos próximo, transformando pra melhor a vida da população. Frei Emanuel e irmã Geovana eram queridos. Os dois andavam de braços dados pelas ruas, acenando, brincando e abençoando as crianças. -"Será que é certo o irmão andar tanto por aí, carregando a irmã Geovana a tiracolo? O povo tá falando." Emanuel sorriu. -"Deixa o povo falar, irmão Gabriel. Vai falar o que? Que anunciamos Jesus e as suas maravilhas? Que fazemos o bem? Somos do Senhor Jesus, a Ele nosso amor . Amor divino." Ao colocar a cabeça no travesseiro, Emanuel pensava em Geovana. -"-"Ser mais lindo. Será mesmo que estou apaixonado por ela? Assim, amor de gente, homem e mulher? Devo rezar mais e afastar esse pensamento egoísta de querer só pra mim quem nasceu pra amar a todo esse povo." Perto dali, irmã Geovana pensava a mesma coisa, antes de adormecer. Uma noite chuvosa. Um menino picado por uma cobra. As estradas de terá intransitáveis. Frei Emanuel e irmã Geovana se ofereceram pra levar o garoto ao hospital. A canoa com a mãe do garoto e a freira com o garoto no colo. O frade jovem e forte remando. A lua cheia. O grade saltou da canoa e pegou o garoto. Os pés afundaram na lama. Irmã Geovana o ajudou. Eles foram até o hospital de Cachoeiro. O garoto seria bem cuidado. Três horas depois, o pai e os irmãos do garoto chegaram ao hospital. Frei Emanuel e irmã Geovana se retiraram. Eles retornaram ao mosteiro. A chuva parou e eles decidir caminhar ao lado do rio Itapemirim. -"Vamos demorar quatro horas pra chegar em casa. Nessa lama da estrada." Ele olhou para ela. -"Eu queria não chegar nunca mais pra ter a sua presença ao meu lado, eternamente." Ela sorriu. -"Eu também. Nesse breve tempo a seu lado fui muito feliz. Eu o amo tanto, irmão Emanuel." Ele respirou fundo e respondeu. -"Também te amo. Muito." Durante o café da manhã, a cadeira de irmão Emanuel estava vazia. Na casa das freiras, o lugar de irmã Geovana a mesa, também vazio. O superior ficou desesperado. Os frades foram até a casa das irmãs. A população saiu em busca dos religiosos. -"Devem ter sido levados pelo rio. Estão mortos, certamente." Dizia alguns. -"Homem e mulher antes de serem frei e freira, são humanos. Eles fugiram pra se casar. Muita tentação deixar dois jovens lindos juntos." Diziam outros. Os frades e as irmãs foram chamados, por um fazendeiro, até um local às margens do rio. O povo foi atrás deles. Todos se ajoelharam ao verem dias estátuas de pedra, perfeitas, uma em frente a outra. Uma das estátuas de pedra era nitidamente um frei ajoelhado como que conversando com a outra estátua que parecia uma freira rezando. -"Meu Deus. São eles. É o irmão Emanuel e a irmã Geovana. São eles. Deus os transformou em estátuas pra sempre ficarão, assim pertinho, meditando e rezando. Serão para nós sinais de fé, amor e esperança." Exclamou o superior. Atualmente, o maciço de granito do frade e a freira, de 683 metros de altura, é patrimônio histórico cultural. Encontra-se no sul do estado, na mata atlântica, a beira da BR 101. É um local lindo e muito visitado. FIM