FESTA, SONHO, AMOR, DOR E SOLIDÃO

Era uma família unida e trabalhadora vinda da Paraíba.

O casal Lenir e Josias fizeram uma viagem tranquila, mas bem cansativa. Na mente, muitos planos, sonhos, projetos. Nos braços da jovem estava o bebê Romualdo, seu filho amado.

Lenir passou a infância e juventude trabalhando na roça, nas plantações de feijão, abóbora, mandioca ( que lá no Nordeste o povo chama macaxeira).

De sol a sol, labutava no sertão da Paraíba. À tardinha, o ventinho gostoso no rosto amenizava o calor. E a jovem se deliciava com o araçá, umbu e pitomba. Ao deitar do sol e levantar da noite ela parava o serviço e, com a lenha já estocada, preparava o fogareiro a fim de cozinhar o inhame e a carne guisada para o café da noite.

Nos finais de semana, acontecia serestas e forró. Tudo muito animado! Tudo perfeição! Céu estrelado, noite convidativa para namorar. Numa dessas festas de muita cantoria, sanfona e viola, a jovem Lenir conheceu o filho do sanfoneiro e sitiante Antônio Bardoldo. Era Josias, jovem que não puxou o talento do pai na sanfona, mas era um excelente dançarino de forró. Era paquerador, corria o boato que ele namorou com quase todas as moças da região.

Apesar disso, Josias era muito trabalhador. Ele trabalhava como mecânico, era um profissional de mão cheia! Consertava até tratores! Lenir gostava muito do jovem mecânico, e ele a admirava muito. Josias achava Lenir a moça mais linda do lugar, e por ela estava disposto a renunciar a vida de mulherengo. Lenir, no início não acreditava muito, não sentia firmeza nas palavras do rapaz. Mas Josias foi homem de atitude! Matou a cobra e mostrou a cobra morta! Quando é amor de verdade não se fica de lenga-lenga, toma-se atitude!

E agindo assim ganhou a confiança dos pais de Lenir.

Josias sofreu represálias por parte das ex-namoradas.

Binha era a mais assanhada e queria por demais continuar os momentos de desfrute com Josias. Então para realmente ficar sacramentado, tudo esclarecido para não haver dúvidas então o jovem casal acertou a data do casamento.

Mês de Junho, dia 23, véspera do Dia de São João. Data do casamento de Lenir e Josias.

A alegria brilhava nos olhos do jovem casal como o brilho das estrelas e o brilho dos fogos de artifício. O baile na fazenda varou pela madrugada.

O patrão dos pais de Lenir mandou matar um boi para o banquete. Mesa farta, vinho do bom, até o padre, após celebrar o matrimônio, participou da festa.

A lua de mel foi na fazenda mesmo. Josias estava juntando dinheiro pra ir ao Rio de Janeiro. Os irmãos de Lenir e primos de Josias já estavam morando no estado carioca.

Nas décadas de 50 e 60, era comum a viagem nos chamados caminhões paus-de-arara até o Sul Maravilha. Passam-se 3 anos e o casal já tem um filho, Romualdo. A família decide viajar para o Rio de Janeiro. Josias comprou a passagem na feira noturna do Povoado Alecrim. O casal prepara as malas. Lenir com o bebê no colo e Josias levando as malas e colocando no bagageiro do caminhão, que parte da feira noturna. A feira movimentada, muita gritaria, alegria , comércio e forró, cenário da triste despedida.

Lenir enxuga as lágrimas do rosto da mãe, diz que tudo vai ficar bem, que Deus está cuidando de tudo e que, assim que tudo der certo, iria mandar buscá-la.

Lenir é uma jovem tranquila, amorosa. Já Dona Geneci é mais afoita, preocupada, cismada. Josias admirada a paz de Lenir, o jeito mando de falar. E os dois se completavam, pois enquanto Josias era meio farrista, brincalhão, Lenir tinha paciência pra lhe dar com o marido.

A viagem que, naturalmente seria longa e cansativa, foi muito prazerosa devido a alegria de Josias contando sempre causos hilários. Lenir ficava com o rosto vermelho de vergonha, e todos os passageiros caíam na gargalhada com as histórias.

Enfim, depois de uma semana, chegam ao Rio.

Na praça Mauá pegam uma condução até Coelho da Rocha, na Baixada Fluminense.

Lenir e Josias vão morar com os irmãos. Assim que chegaram, primeiro foram conhecer um pouco os arredores. Josias comprou jornal para ver se encontrava emprego de mecânico. Na mesma rua morava Seu Evaristo , um senhor aposentado da Marinha e que participou da Segunda Grande Guerra.

Seu Evaristo era viúvo, e morava só com a filha pré-adolescente Janine. Lenir, numa tarde, esperando sentada no batente da calçada o marido chegar do trabalho, começou a conversar com o senhor aposentado. Ele relatou seu sofrimento desde que perdeu a esposa, falou dificuldade para criar a única filha e que sua saúde estava fragilizada. Lenir percebeu que Evaristo precisava de ajuda, e com o seu coração bondoso se ofereceu para cuidar dele e de sua filha. Lenir era uma mulher virtuosa, cuidava de tudo e sem nenhum interesse. Amava o marido Josias, ficava perfumada esperando ele chegar e fazia um carinho nele e o abraçava mesmo ele estando todo sujo de graxa. Lenir, durante o dia, arrumava a casa de seu Evaristo, deixava tudo um brinco. Lavava as roupas de linho dele e também o uniforme do colégio de Janine. Lavava até as calcinhas da menina. Pai e filha viviam uma vida triste, sem força e ânimo desde a morte da matriarca. Lenir chegou para levar uma palavra de fé e alegrar aquela família. Era uma mulher fervorosa e trabalhadora. Fazia todas as tarefas domésticas, exceto cozinhar pois seu Evaristo era cozinheiro profissional, fazia cada comida deliciosa de dar água na boca. Janine passou a gostar muito de Lenir. A adolescente, assim que chegava do colégio, brincava a tarde toda com o bebê Romualdo.

O bebê foi crescendo e, quando já estava na fase escolar, Janine ensinava-lhe as lições: continhas, o alfabeto, as sílabas.

Romualdo era travesso, queria mais saber de brincar, e também de namorar ( olha só que menino!). Nesta altura, Janine tinha casado e estava grávida. Seu pai estava nas últimas. Foi um período muito difícil, chorava muito. Era a jovem sempre consolada por Lenir, que rezava sempre por Evaristo.

Mas Deus decidiu levá-lo! Ainda chegou a ver o netinho recém- nascido. Janine teve que amadurecer bem cedo: na década de setenta, uma jovem de dezenove anos não tinha toda destreza da nossa juventude atual. Além do mais, Janine vinha de um histórico de muitos dramas na vida. Lenir foi realmente um anjo que chegou na vida da jovem.

Romualdo também era um menino muito querido, mais do que um simples agregado da família, um sobrinho. O esposo de Janine também gostava muito de Romualdo, os dois jogavam bola, torciam pelo mesmo time: o Flamengo. Nas férias do trabalho, Lauro ( esposo de Janine) saía com a família para as cachoeiras de Tinguá ou de Guapimirim. Josias levava pinga, garrafa de groselha e o seu inseparável fumo de rolo. Lenir e Janine levavam comidas e Lauro e Romualdo levavam a churrasqueira, refri, cerveja e o carvão. Josias era o que mais animava o grupo. Durante a caminhada, já bem "abastecido" de pinga, deixou o suco de groselha escorrer por sua camisa branca. E aí ele soltou está pérola: Nossa eu estou menstruando!

E todos caíram na gargalhada!

Romualdo puxou o pai e foi crescendo levando a vida na alegria. E, infelizmente, também no vício da bebida e cigarro.

Vício maldito que acabou com a vida de Josias. Romualdo sofreu muito! No enterro do pai não quis saber de ser consolado por ninguém. Saiu caminhando a pé sozinho do cemitério até sua casa, um percurso de 20 quilômetros. Só chorava, e as lembranças do pai era uma pessoa palavra, brincalhão, mas de palavra. Um grande amigo que só maltratou a si mesmo por conta do vício! Mas Romualdo também estava neste triste caminho! Sua mãe sempre o alertava, mas ele não dava ouvidos! Lenir, tinha muita preocupação com Romualdo. Os filhos vão crescendo e os pais tendem a se preocupar mais. A mãe de Lenir já estava morando no Rio de Janeiro quando o genro faleceu. Dona Geneci era uma idosa bem esperta, nem parecia

que era octagenária. E ainda viveu mais vinte anos! Que privilégio! Agora, o pai de Lenir não viveu muito. Morreu pouco tempo depois da vinda de Lenir para o Rio, na década de sessenta. Foi enterrado junto com a sanfona que ele tocava. Ele tinha muito ciúme dela, não deixava ninguém tocar. E foi fazer a festa no céu.

Romualdo sorria ouvindo as histórias do avô. Ele cresceu no Rio de Janeiro e nunca mais voltou para a Paraíba, sua terra natal. Aliás, ele nem conhece sua terra, pois saiu de lá bebê.

E foi crescendo, mas para Lenir continuava um bebê. Quando completou dezoito anos, sua mãe o levou para se alistar no exército, e também o levou ao primeiro emprego, uma loja de roupas.

Lenir tinha um carinho, um cuidado excessivo com Romualdo. O rapaz nem conseguia namorar. Namorava e terminava. O problema não era sua mãe, realmente ele não tinha sorte no amor. Quis o destino que ele não saísse de casa pra formar sua família. Mas, na verdade, não é bem destino. Eu não creio nisso! O que eu creio é em Deus. Deus sabe de tudo! Romualdo amava a mãe, e no fundo gostava muito do carinho e paparico dela. Para Romualdo tinha 4 coisas que ele mais gostava: primeiro a família ( sua mãe), depois jogar bola, ouvir música ( era bem eclético) no gravador que ganhou de presente de seu " tio" Lauro, e também gostava de consertar toca-discos, aparelhos eletrodomésticos.

O seu amor maior, a sua mãe Lenir faleceu recentemente. Romualdo se entregou à tristeza, abandonou todas as outras coisas que amava fazer. Se entregou ao vício, e infelizmente não quer parar.

Mora sozinho na mesma casa que outrora tinha união, a alegria do pai, as palavras de carinho da mãe. Mora sozinho... Sozinho na casa que ele veio morar ainda bebê. Muitas lembranças,e a dor e o desinteresse em arrumar a casa. Romualdo acorda de madrugada, toma café puro e vai pro trabalho, em Copacabana. Só chega em casa à noite já chapado, bêbado. Assim é sua rotina. Muito triste! Está magro, definhando, se isolou de todos e não quer ser acolhido por ninguém. Nem por Deus, embora na teoria ele diz acreditar em Deus.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima )

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 11/11/2021
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