Mulher Em Crise!
Ando mesmo insuportável, pensei comigo. Mas, a doutora falou que é normal. Coisa da idade! Estou entrando na menopausa e tais transtornos não são nada bons, mas que vão passar! Vai passar! Enquanto não passa, todos vão ter que me aturar! Deixe-me curtir minha crise em paz, pois, fiz por merecer e afinal, nasci mulher! Desabafei sozinha passando a chave na porta do quarto. Que silencio bom! Que paz revigorante! Mulher em crise tudo irrita, enfada ou entristece! Inda mais quando olho pra trás e comparo os vinte e quatro anos de relação constatando que nada mudou. Aliás, houve mudanças sim. Eu passei a falar menos e a pensar mais, ao contrario de Sampaio que inventa conversa que não cansa. Quando não traz novidades do povo de fora reclama da vida, critica a comida, a família ou desata a falar mal do time, amassando as páginas do jornal que sempre deixa largado sobre a mesa. Já se ergue uma pilha de metro no canto da área. Ele adora juntar cacarecos pelos cantos, e isso, me irrita. Vive prometendo e jurando que vai se livrar das quinquilharias, mas nunca chega o dia! Ai de mim que me atreva! Fechei as cortinas, pois a escuridão me acalma. Deitei-me sobre a cama e desabei num choro baixo e profundo. Sou mulher em crise sim! Um ser que padece calado digerindo todo tipo de injustiça, preconceitos e humilhações. E que não tem o direito de viver sua crise em paz! Ora, já fiz minha parte como mulher nesta terra, e nada mais justo que eu envelheça em paz com as minhas crises! Engravidei duas vezes e pari de parto normal. Amamentei filhos até os dois anos de idade. Cuidei, criei, eduquei e ainda aturei marido e parentes inconvenientes sem manifestar descontentamento... Até sorria e fingia contentamento! Mas, mulher tem mania mesmo de acumular na alma ressentimentos, duras mágoas e até mesmo, grandes decepções... Até que, chega o dia em que a gota que falta, pinga e explode no mar! A verdade é que, sonhamos a vida, sozinhas. Uma vida linda e perfeita, mas esquecemos, falando de casamento, de que ela é construída a dois. Tal constatação nos faz se arrepender, e até, pensar que nada valeu! Se eu tivesse condições financeiras neste momento, tiraria uns dias de férias somente para arejar a mente e os pensamentos. Repensaria a vida e buscaria uma solução para os dilemas surgidos e cultivados em silencio. Agiria com tia Dorinha no auge de sua crise. Aluguel atrasado, contas vencidas, filhos malcriados e mal agradecidos e aquela marca de batom carmim tatuada no colarinho alvo da camisa do marido desempregado. Camisa de linho, difícil de engomar, mas que ela muito se dedicou para o safado e egoísta arrumar novo emprego!
Não pensou duas vezes pra largar a casa, marido, filhos... Levou somente, tutti, sua cadelinha poodle, pois dizia que era a única que lhe dava o valor merecido. Tão decidida estava, que nem se deu ao sacrifício de deixar um bilhete. Foi se hospedar em casa de mamãe e por lá ficou, escondida que por dias se negou a dar ou receber notícias dos seus. Chegou transtornada, abatida e ligeiramente pálida, que ainda recordo seu olhar teimoso em manter distancia da dura realidade. Eram sintomas da depressão! Mamãe a recebeu e cuidou de tudo pra que houvesse somente paz e harmonia naqueles dias! Mamãe com toda boa disposição preparava-lhe todas as tardes uma xícara do milagroso chá de rosas brancas, afirmando o quanto era bom pra curar mazelas de mulher. E de fato, aconteceu. Em menos de uma semana, o semblante de mulher afligida sumira e doava vez a um olhar mais otimista, mas feliz. Foram longas tardes de conversas segredadas. Às vezes mamãe chorava, noutras era titia e findavam sempre em boas e altas gargalhadas. Em duas semanas tia Dorinha sentia-se pronta pra partir. Regressou ao lar e nele estabeleceu suas novas regras que perduram até os dias de hoje! _Quem não estiver de acordo, pode partir! Falou séria e decidida. Desde então, reassumiu seu lugar de “honra” na casa onde viveu durante anos, uma vida aparentemente feliz e organizada!
Despertei dos pensamentos, pois, a vida em crise, ou não, deveria continuar. Abri a porta do quarto estranhando tamanho silencio na casa. Havia café pronto e a mesa já estava arrumada para o jantar. Sorri feliz! Ao passar pelo corredor pude ver que Mariana estudava alheia com os malditos fones de ouvidos. Oh, vida de alienação! Na sala, Sampaio roncando alto por sobre as páginas do jornal amassado e, da TV ligada, a musica anunciava o inicio da novela: Vida, Vida, Vida... “Que seja do jeito que for...”!
Pergunto-me por que não tomei a decisão de partir... Acho que, ainda faltam muitas gotas pra pingar!
Marisa Rosa Cabral