O dançarino sinistro

O dançarino sinistro

Lá na roça, em torno do fogão a lenha a gente se reunia para nos aquecermos nas noites de inverno e também para conversar. Nessa época éramos papai, mamãe meus irmãos, eu e nossos avós paternos. Nas conversas sempre aparecia alguma coisa relacionada ao passado de nossos avós, algum causo que os mais velhos da época deles lhes contavam. Vovó Maria Luiza nos contava com frequência essa determinada estória, o caso do dançarino desconhecido. Gostávamos muito de caso mesmo sabendo que a nossa cama ia amanhecer molhada porque ninguém ia ter coragem de se levantar à noite para ir ao urinol.

Era normal no campo o costume de se comemorar aniversários, casamentos e até dias santos com um arrasta pé, um tipo de baile familiar onde se reuniam os parentes, vizinhos e compadres. Dançava-se durante toda a noite ao som de uma sanfona, pandeiro e o que mais se tivesse de instrumento musical. Nessas reuniões além dos adultos e dos jovens as crianças também não ficavam de fora. Elas sempre frequentavam, para comer, brincar, dormir ou até mesmo bisbilhotar nas conversas e ações dos mais velhos.

Num desses bailes, acontecido em 19 de março, dia de São José e que estava por sinal muito animado porque o sanfoneiro viera de longe e era bom, deu-se o acontecimento. O povo não dava trégua, estava excitado, alegre, quanto mais dançava mais queria dançar. Entre dos cavalheiros havia um que se destacava por sua beleza, elegância, habilidade e simpatia, dizia-nos nos vovó que esse moço estava vestido com um terno de linho branquíssimo e novinho, daqueles que só eram visto com os rapazes da capital, seu cabelo preto era perfeitamente modelado com a mais fina brilhantina. O moço não era conhecido na redondeza. Esse fato fez com que ele ganhasse ainda mais evidência, especialmente entre as moças. Todas queriam pelo menos uma dança com o belo e desconhecido cavalheiro!

No entanto, quem não estava muito bem naquela noite era a “cumadre Bastiana”. Estava com dor de cabeça e empachamento abdominal há mais de dois dias, ela já havia tomado chá de folhas de macaé, louro, boldo e de muitas outras ervas que só o povo do campo conhece, sem, no entanto obter bom resultado. Fora ao baile porque o marido tinha insistido muito para que fosse, assim como as três filhas moças deles que ainda não tinham conseguido casar. Sebastiana observava o baile de um canto da sala sentada num banquinho de madeira, a seu lado Marquinho, o seu caçula também olhava tudo e por vezes fazia algum comentário sobre aquela realidade. Num dado momento ele comentou algo interessante apontando para o novato alinhado que estava no baile, dizendo a sua mãe: olha ali mamãe, o rapaz tem pés de pato! Mãe Bastiana um tanto quanto desconcertada porque o moço ouvira a conversa respondeu corada, “minino cada um como Deus o fez”! Ao que o dançarino respondeu com um sorriso amarelo: isso mesmo dona “cada um como ele o fez”. Marquinho continuou olhando, observando e perguntando, tanto fez que acabou chamando a atenção dos outros participantes do baile para os pés de pato do nobre cavalheiro...

Sentindo - se descoberto o jovem dançarino deu uma enorme, estridente e horrorosa risada! Com a casa ainda estremecida e as pessoas aterrorizadas, desapareceu do salão deixando atrás de si um cheiro de enxofre tão forte que ninguém mais se ousou permanecer ali naquela noite.

Autora: Vanda Maria Monteiro