A mãe D'Agua ou Mãe do ouro

Éramos pequenos naqueles anos duros que foram os anos setenta, a cidade de Sete Barras era nossa moradia, casa pequena de apenas três peças, toda em madeira e assoalhada, tínhamos muito pouco ou quase nada, éramos apenas quatro, eu a mãe, o pai e meu irmão recém nascido, tínhamos alguns vizinhos, todos na mesma situação, não havia televisão, não havia brinquedos chiques, nossos brinquedos eram aqueles que inventávamos ( carrinho de lata de leite, pneu de bicicleta com vara e a bola que era o mais barato e satisfazia a muitos) no dias quentes, à diversão maior era os banhos de lagoa ou de rio, no auge dos meus sete anos eu tinha um segredo que guardo comigo até hoje, durante a noite sempre víamos uma bola de fogo que cruzava o céu e parecia cair atrás de um morro, a mãe dizia - olha a mãe D'Agua voltando pra casa, eu já sabia o que era, pela manha logo depois do café com banana farofa e pão, e saia de fininho e ia para detrás daquele morro onde depois de uma boa caminhada, eu chegava à uma casinha bem simples toda feita de barro e coberta com com jasapé onde bem ao lado tinha um regato bem pequeno de agua corrente e cristalina, ela na porta com um lenço na cabeça e uma vara na mão, com um sorriso me dizia - Se achegue menino, como você está hoje? me perguntava. Estou bem, de pronto eu respondia - A senhora viu a bola de fogo ontem? Ela me respondeu, - Não, eu durmo cedo, não vejo essas coisas, apontando pro regato,-dizem que mora ai. - Você não tem medo né? - posso ver em seus olhos, a Jaguara viu você passar os outros também, são poucos que os andam por esses matos, os bichos gostam de você por isso não te incomodam, veja ali na beira da agua a marca dos pés dela, ela bebeu agua ali antes de você chegar, guarda contigo e tenha sempre um bom coração, você vê aquilo que seu coração manda, nem todos conseguem ver coisas boas aqui, muitos tremem somente com o uivo do vento, quando ouvir o vento converse com ele, porque ele é parte da mãe terra, ali eu ficava por horas ouvindo histórias que guardo comigo, quando era para ir embora ela sempre me dava umas frutas e dizia - leva é pra você e seu irmão e se despedia com um sorriso, e falava - obrigado pela visita (parecia saber das nossas dificuldades), sei que um dia você vai crescer e não vai mais encontrar este lugar, mas tenha-me sempre na lembrança que estarei com você, cresci e nunca mais voltei lá, ela me visitava as vezes, sempre na forma de pequenos animais ou de pássaros ( uma Coruja, que ficou uns dias em casa e às vezes a ouvia em pensamento) até hoje falo com o vento, sinto cheiro de chuva, sei que ela está em algum lugar, fazendo o bem para uns e não tão bem para outros.

Sergio Nogueira
Enviado por Sergio Nogueira em 24/10/2021
Reeditado em 27/10/2021
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