A Catarina
Naquele dia, quando recebera o animal, não imaginava que teria que decidir a hora de sua partida.
Ela era tão linda, chegara em sua casa muito pequena, seus pelos eram densos e grossos, havia uma certa tristeza no olhar pelos maus tratos sofridos na casa de sua antiga dona. Catarina tinha apenas 45 dias, estava numa caixinha com mais três cachorrinhos iguais.
Suzane por sua vez não sabia ao certo porque, mas precisava ser aquela cadelinha, doentinha, infestada por carrapatos e pulgas, de certa forma nem pensou em prós ou contras, apenas tinha certeza que seu amor seria daquele animal.
E assim a pegou em seus braços e disse:
- É essa! Vai se chamar Catarina.
Logo correu com o bichinho para dentro de casa. Estava de passeio na casa de seus pais junto de seu marido Filipi. Era uma casa simples, porém aconchegante, em uma bela praia, onde o vento podia aquecer qualquer coração. Logo, subiu as escadas, abraçada em
Catarina, na época, praticamente cabia em uma de suas mãos. Acordou Filipi e disse:
- Essa será nossa filha.
Filipe, meio adormecido, a olhou receoso, afinal, Filipe era uma pessoa mais centrada e cética que Suzane, dava para ver o medo em seus olhos. Medo da responsabilidade, do apego e dos problemas que isso poderia gerar na vida do casal. Contudo, ele gostou da bolinha
pelo.
Logo, as folgas terminaram e os dois seguiram para sua cidade de trabalho, onde lá mantinham suas vidas agitadas. Ele trabalhando de sol a sol em uma empresa, pegava dois ônibus para chegar ao trabalho. Ela ainda dona de casa, e estudante. Batalhavam por uma vida melhor e confortável. Catarina aos poucos foi crescendo, tornando-se membro daquela família tão pequena. Criada com muitos mimos e muito amor.
Ela adorava brincar, tinha diversos brinquedinhos de pelúcia. Em alguns momentos sua casa transformava-se em festa. Eram gritos, sorrisos, latidos, correrias pela casa. Todos brincavam, todos brincavam.
Era mais que uma cadelinha, era um bebê, uma criança de quatro patas e peluda que a cada dia transformava o coração daquele casal em doce.
Alguns dias, em meios as dificuldades financeiras, ela que afagava o coração. Não tinha como não dar um sorriso. Catarina quando queria brincar, ninguém sossegava. Todos brincavam.
Os passeios eram agradáveis, ela adorava. Ah.... como ela adorava passear. Qualquer um que pegasse sua guia em mãos, a gritaria era estridente. Olhar brilhoso, por que saberia que seus donos a levariam para rua, que alegria. Catarina passeava, viajava, podia ser de carro ou de ônibus, mas nunca ficara, estava sempre com eles. Suas roupinhas eram minúsculas, mas ficava linda, cheirosa, cada vez que
voltava de seus banhos, os quais pra ela era um sacrifico na hora de ir, mas quando voltava era afobação pela casa, sentia-se a beleza de seu sentimento, de voltar para seus donos.
Catarina quando via sua mãe ficava sem saber o que fazer, sua emoção era tanta, “mamãe” era tudo pra ela. E Suzane sentia-se amada e orgulhosa da escolha que fizera. Todos em sua família apegaram-se a Catarina. Todos a amavam muito.
Sentava-se na janela, e de lá ela observava todos os que passavam, e apenas saia de lá quando via um de seus donos passar na calçada, sabia que agora não estava mais sozinha.
O tempo foi passando, e passou muito rápido, rápido demais. De repente, ela já tinha quinze anos. E agora as preocupações em seus donos foram chegando. Suzane tinha medo da idade, a velhice é árdua e muitas vezes cruel. Não imaginava viver sem Catarina, não queria pensar quando ela tivesse que partir. Algumas vezes, escondia-se em um cômodo, com medo de vê-la, ver seu estado depreciativo o qual a idade a transformou.
Nesse momento, Suzane estava só, Filipi já não fazia mais parte de sua vida, estava a quilômetros de distância. Catarina envelheceu. Ainda era um bebê para Suzane, mas um bebê envelhecido, com marcas do tempo, com doenças que só a idade transporta.
Já não tinha a mesma qualidade de vida, sua cegueira a transformou numa cadela moribunda, ora ela enxergava, ora chorava de desespero por não saber onde se encontrava.
Não havia mais festas na chegada de Suzane em casa, ela não sabia mais quem era Suzane.
Foram meses que Suzane lutou por sua cura, levara a muitos veterinários, não admitia a possibilidade de perde-la, era como sua filha. A dor e o sofrimento eram constantes em seu coração. Pedia a Deus que se fosse para ir embora, que simplesmente ela dormisse e não acordasse mais. Isso não seria fácil, mas seria como um afago, a perda por um processo natural de vida. Onde o corpo não funcionaria mais, onde Catarina cansada haveria desistido de forma silenciosa.
A piora da cadelinha foi gradualmente rápida, já não dormia, chorava quase todos as noites, suas pernas pararam, não parecia mais a Catarina. Aquela que corria, que brincava, que sorria com os olhos, já não estava mais ali. Seu sofrimento doera nela e em quem estava a sua
volta. Irreversível. Certa vez, chegou o dia, o dia que Suzane temia, o dia que não podia chegar, o dia que não deveria existir.
Seu veterinário disse que não teria melhora e o sofrimento continuaria, não teria sentido deixa-la sofrer mais, não teria sentido tamanho egoísmo de Suzane querendo mantê-la em uma redoma de vidro em casa. A decisão era de Suzane.
Não tem descrição para a dor daquele momento, tamanha dor em seu coração, seu peito rasgava como se houvesse um bisturi a cortando sem ao menos uma anestesia. Nesse momento, procurou Filipi, que também sentiu tamanha dor, mas sabia que era o melhor a ser feito.
A despedida foi pavorosa e suas palavras de adeus comiam sua alma.
- Adeus minha filha! A mamãe vai te dar paz e acabar com seu sofrimento. Não sentirás mais dor, e no céu dos cachorrinhos você estará. E nunca a esquecerei. Serás a Catarina, minha filha.
Suzane a amava incondicionalmente, e essas palavras partiram seu coração. Mesmo sabendo que era o que deveria fazer.
Desde então, Suzane não teve paz, cada vez que fechava seus olhos aquela cena estava na sua mente. A lembrança daquela manhã permaneceu intacta na sua memória e a dor continuou nos dias que passaram.
Suzane não cultiva a mesma alegria de antes, não tem noção de quando a vida voltará a sorrir novamente. A mesma possui uma vida solitária, e desde então mais solitária ficou.
Vivendo de lembranças e tentando buscar objetivos para que consiga ao menos deixar Catarina na saudade, na saudade boa, aquela que quando aparece na lembrança gera sorrisos. Sorrisos por ter feito parte da vida de Catarina.