Capítulo 10: Da festa de casamento à chegada de um presente inusitado para todos.
O casamento de Zelita havia sido marcado na própria capela que ficava na fazenda, pois devido à situação pendente do Senhor Fontes com a justiça, o mesmo não se sentia bem em fazer um evento fora da sua propriedade. E como o casamento era do seu agrado e a filha merecia que o evento acontecesse como toda moça sonha, os preparativos do enlace foram feitos à moda antiga. Dentro da própria fazenda.
E assim procederam-se os dias de confissões dos noivos, de arrumação da capela e os preparativos para a celebração do casamento em si.
O enxoval da noiva fora todo preparado dentro do tempo e aos conformes do seu gosto pessoal. Muita coisa foi produzida por ela mesma e pelas duas mulheres da casa. A madrinha de casamento, que era uma Senhora amiga da família há muitos anos, também compareceu para ajudar nas arrumações e principalmente para vestir e preparar a noiva.
O horário da cerimônia fora marcado para as 16 horas da tarde e durante todo o dia as visitas foram chegando. Dos familiares aos amigos das redondezas. De modo que houve almoço e rodas de conversas durante o dia, até que o momento da cerimônia religiosa chegou junto com o Padre e a sua comitiva. Estes foram trazidos pelo padrinho dos noivos no seu automóvel, uma Rural Willys - 1946 comprada de segunda mão na capital.
Num vestido branco de corte simples, porém longo e bordado em temática rococó pela própria noiva com a ajuda da sua mãe, Zelita se apresentou no altar. Estava tão bela quanto elegante naquele traje singelo. Muito embora não fosse um vestido vaporoso de princesa como sonham as noivas, era evidente que a noiva estava linda.
O buquê de noiva que levava nas mãos havia sido feito com flores naturais de laranjeira assim como a tiara que levava na cabeça na hora da cerimônia. Aquele cheiro doce dos laranjais em flor exalava pelo quarto da noiva e também pelo cenário da pequena capela onde os convidados estavam reunidos.
A cerimônia religiosa foi bem simples e afora as tradições da missa rezada em latim pelo pároco da cidade, tudo o mais foi comum e parecia que havia uma pressa velada para que terminasse logo. Talvez essa impressão se devesse, como se sabe, à atmosfera de expectativa meio sombria ainda em torno do que aconteceria com o fazendeiro perante a justiça num futuro próximo.
Mas em resumo fora uma celebração inesquecível para a família.
A noite caía quando a cerimônia se encerrou na capela e todos foram para a casa grande se servir dos doces e bebidas que haviam sido preparadas para festa.
O senhor Fontes que acompanhara a filha até o altar, muito embora não fosse dado ao hábito de frequentar missas e solenidades religiosas, estava muito satisfeito com o enlace matrimonial da filha e isso era evidente na forma como conversava com os amigos e com os seus trabalhadores ali presentes.
Nunca fora homem de muitas palavras, mas dava para perceber pelo seu semblante calmo que estava plenamente satisfeito com o genro que adquirira e, assim, a festa de casamento se desenrolou noite adentro de maneira que foi tudo muito simples porém bem organizado e bonito.
E para os pais, Dona Emília e o Senhor Fontes, pelo menos aquela filha estava “amparada”.
Terminada a cerimônia do casamento, que havia durado um dia e uma noite - entre os preparativos, a cerimônia religiosa na Capelinha de Santo Antonio e as próprias comemorações em família, posto que festa na roça sempre acaba ao redor de uma fogueira e com a contação de causos até o dia amanhecer - o povo voltou para suas casas nas redondezas e a fazenda aos poucos foi retomando o seu ritmo de trabalho normal.
A moça Zelita e seu esposo Juvenal também já haviam se recolhido à nova moradia que ficava a cerca de meia légua da casa grande. Em uma parte do terreno do Senhor Fontes que dava para estrada real onde o fazendeiro havia mandado construir uma casa com um pequeno armazém para que o seu ex-capataz, agora genro e sócio, pudesse ajudá-lo com seus afazeres e valiosos dotes de negociante.
Tudo seria realmente normal se uma notícia inesperada não viesse tirar o sossego da fazenda naquele mesmo dia ao cair da tarde. E o portador de tal notícia inquietante era o próprio recém-casado que fora avisar à Dona Emília que sua filha estava doente.
Aquela notícia, dada de chofre pelo marido aflito, pegou o Senhor Fontes na varanda da frente da casa em mangas de camisa. E como num reflexo costumeiro ouviu-se o grito:
_ Joséééééé!
Esse era o nome do filho mais velho do Senhor Fontes com a Dona Josefa.
_ Sinhôôôô! Respondeu o rapazote.
_Corra e vá chamar a sua mãe pra ir agora ver o que Zelita tem.
José não fez corpo mole. Pelo tom de comando do pai, sabia que não era hora de perguntar nada. Partiu como um raio até choupana da mãe e não se demorou muito por lá. Apenas o tempo de dar o recado numa frase entrecortada pelo arfar de cansaço.
E retomou o caminho por cima do rastro, tão logo percebeu que a mãe catava o lenço de cabeça e escanchava o filho mais novo nos quartos para atender ao chamado do Senhor Fontes.
Quando chegou à varanda o pai estava vermelho. Nervoso. Porém calado, como era do seu feitio. Só quem o conhecia bem reparava pelas orelhas vermelhas que estava preocupado com alguma coisa muito grave.
A Dona Emília já havia mandado preparar a charrete que usava sempre que precisava ir à algum lugar. E logo as duas mulheres e as três crianças mais novas se aboletavam dentro daquele meio de transporte precário e partiam para a casa do casal.
O marido havia ficado na fazenda só o tempo suficiente pra dar o recado da mulher. Voltara nos calcanhares. Precisava estar por perto para ajudar a esposa no que pudesse.
Quando Dona Emília e Dona Josefa chegaram à residência, botaram o pobre homem nervoso pra correr do quarto da mulher. E ao olhar o estado de sudorese da recém-casada, confirmaram as suspeitas.
Seriam avós!
A moça Zelita havia disfarçado um bocado. Mas por pouco não pariu antes do Sagrado Sacramento.
A bem da verdade todo mundo havia reparado que ela estava bem gordinha nos últimos meses. Mas sendo a descrição e o recato em pessoa, nunca suspeitariam de que houvesse cometido tal deslize antes de casar-se.
Mas agora não havia como negar o feito. Um menino agalegado nasceu naquela noite após a chegada da parteira que um marido incrédulo fora buscar no povoado vizinho a mando da sogra.
Foi assim que, um dia depois das bodas se realizarem, Zelita e Juvenal se tornaram pais. E ninguém sabia dizer se o pobre homem estava mais feliz ou mais assustado com a surpresa.
Ainda mais porque a criança inspirava cuidados. Dissera a parteira. Pois nascera de sete meses.
Mas vingaria se fosse bem cuidado e por isso não deveria sair de dentro da casa durante os sete primeiros dias de vida. E em hipótese alguma deveriam deixar a sua moleira descoberta. Também não poderiam abrir a porta do quarto da parida completamente. Todo cuidado era necessário para que “o mal-de-sete-dias” não encontrasse o menino...
Mas se dependesse das avós, aquele presente inusitado seria um garoto forte logo, logo...
Continua...
Adriana Ribeiro
O casamento de Zelita havia sido marcado na própria capela que ficava na fazenda, pois devido à situação pendente do Senhor Fontes com a justiça, o mesmo não se sentia bem em fazer um evento fora da sua propriedade. E como o casamento era do seu agrado e a filha merecia que o evento acontecesse como toda moça sonha, os preparativos do enlace foram feitos à moda antiga. Dentro da própria fazenda.
E assim procederam-se os dias de confissões dos noivos, de arrumação da capela e os preparativos para a celebração do casamento em si.
O enxoval da noiva fora todo preparado dentro do tempo e aos conformes do seu gosto pessoal. Muita coisa foi produzida por ela mesma e pelas duas mulheres da casa. A madrinha de casamento, que era uma Senhora amiga da família há muitos anos, também compareceu para ajudar nas arrumações e principalmente para vestir e preparar a noiva.
O horário da cerimônia fora marcado para as 16 horas da tarde e durante todo o dia as visitas foram chegando. Dos familiares aos amigos das redondezas. De modo que houve almoço e rodas de conversas durante o dia, até que o momento da cerimônia religiosa chegou junto com o Padre e a sua comitiva. Estes foram trazidos pelo padrinho dos noivos no seu automóvel, uma Rural Willys - 1946 comprada de segunda mão na capital.
Num vestido branco de corte simples, porém longo e bordado em temática rococó pela própria noiva com a ajuda da sua mãe, Zelita se apresentou no altar. Estava tão bela quanto elegante naquele traje singelo. Muito embora não fosse um vestido vaporoso de princesa como sonham as noivas, era evidente que a noiva estava linda.
O buquê de noiva que levava nas mãos havia sido feito com flores naturais de laranjeira assim como a tiara que levava na cabeça na hora da cerimônia. Aquele cheiro doce dos laranjais em flor exalava pelo quarto da noiva e também pelo cenário da pequena capela onde os convidados estavam reunidos.
A cerimônia religiosa foi bem simples e afora as tradições da missa rezada em latim pelo pároco da cidade, tudo o mais foi comum e parecia que havia uma pressa velada para que terminasse logo. Talvez essa impressão se devesse, como se sabe, à atmosfera de expectativa meio sombria ainda em torno do que aconteceria com o fazendeiro perante a justiça num futuro próximo.
Mas em resumo fora uma celebração inesquecível para a família.
A noite caía quando a cerimônia se encerrou na capela e todos foram para a casa grande se servir dos doces e bebidas que haviam sido preparadas para festa.
O senhor Fontes que acompanhara a filha até o altar, muito embora não fosse dado ao hábito de frequentar missas e solenidades religiosas, estava muito satisfeito com o enlace matrimonial da filha e isso era evidente na forma como conversava com os amigos e com os seus trabalhadores ali presentes.
Nunca fora homem de muitas palavras, mas dava para perceber pelo seu semblante calmo que estava plenamente satisfeito com o genro que adquirira e, assim, a festa de casamento se desenrolou noite adentro de maneira que foi tudo muito simples porém bem organizado e bonito.
E para os pais, Dona Emília e o Senhor Fontes, pelo menos aquela filha estava “amparada”.
Terminada a cerimônia do casamento, que havia durado um dia e uma noite - entre os preparativos, a cerimônia religiosa na Capelinha de Santo Antonio e as próprias comemorações em família, posto que festa na roça sempre acaba ao redor de uma fogueira e com a contação de causos até o dia amanhecer - o povo voltou para suas casas nas redondezas e a fazenda aos poucos foi retomando o seu ritmo de trabalho normal.
A moça Zelita e seu esposo Juvenal também já haviam se recolhido à nova moradia que ficava a cerca de meia légua da casa grande. Em uma parte do terreno do Senhor Fontes que dava para estrada real onde o fazendeiro havia mandado construir uma casa com um pequeno armazém para que o seu ex-capataz, agora genro e sócio, pudesse ajudá-lo com seus afazeres e valiosos dotes de negociante.
Tudo seria realmente normal se uma notícia inesperada não viesse tirar o sossego da fazenda naquele mesmo dia ao cair da tarde. E o portador de tal notícia inquietante era o próprio recém-casado que fora avisar à Dona Emília que sua filha estava doente.
Aquela notícia, dada de chofre pelo marido aflito, pegou o Senhor Fontes na varanda da frente da casa em mangas de camisa. E como num reflexo costumeiro ouviu-se o grito:
_ Joséééééé!
Esse era o nome do filho mais velho do Senhor Fontes com a Dona Josefa.
_ Sinhôôôô! Respondeu o rapazote.
_Corra e vá chamar a sua mãe pra ir agora ver o que Zelita tem.
José não fez corpo mole. Pelo tom de comando do pai, sabia que não era hora de perguntar nada. Partiu como um raio até choupana da mãe e não se demorou muito por lá. Apenas o tempo de dar o recado numa frase entrecortada pelo arfar de cansaço.
E retomou o caminho por cima do rastro, tão logo percebeu que a mãe catava o lenço de cabeça e escanchava o filho mais novo nos quartos para atender ao chamado do Senhor Fontes.
Quando chegou à varanda o pai estava vermelho. Nervoso. Porém calado, como era do seu feitio. Só quem o conhecia bem reparava pelas orelhas vermelhas que estava preocupado com alguma coisa muito grave.
A Dona Emília já havia mandado preparar a charrete que usava sempre que precisava ir à algum lugar. E logo as duas mulheres e as três crianças mais novas se aboletavam dentro daquele meio de transporte precário e partiam para a casa do casal.
O marido havia ficado na fazenda só o tempo suficiente pra dar o recado da mulher. Voltara nos calcanhares. Precisava estar por perto para ajudar a esposa no que pudesse.
Quando Dona Emília e Dona Josefa chegaram à residência, botaram o pobre homem nervoso pra correr do quarto da mulher. E ao olhar o estado de sudorese da recém-casada, confirmaram as suspeitas.
Seriam avós!
A moça Zelita havia disfarçado um bocado. Mas por pouco não pariu antes do Sagrado Sacramento.
A bem da verdade todo mundo havia reparado que ela estava bem gordinha nos últimos meses. Mas sendo a descrição e o recato em pessoa, nunca suspeitariam de que houvesse cometido tal deslize antes de casar-se.
Mas agora não havia como negar o feito. Um menino agalegado nasceu naquela noite após a chegada da parteira que um marido incrédulo fora buscar no povoado vizinho a mando da sogra.
Foi assim que, um dia depois das bodas se realizarem, Zelita e Juvenal se tornaram pais. E ninguém sabia dizer se o pobre homem estava mais feliz ou mais assustado com a surpresa.
Ainda mais porque a criança inspirava cuidados. Dissera a parteira. Pois nascera de sete meses.
Mas vingaria se fosse bem cuidado e por isso não deveria sair de dentro da casa durante os sete primeiros dias de vida. E em hipótese alguma deveriam deixar a sua moleira descoberta. Também não poderiam abrir a porta do quarto da parida completamente. Todo cuidado era necessário para que “o mal-de-sete-dias” não encontrasse o menino...
Mas se dependesse das avós, aquele presente inusitado seria um garoto forte logo, logo...
Continua...