Capítulo 9: Os preparativos para o casamento de Zelita, a filha do meio do Senhor Fontes, e o sumiço de Acrízio.
Adriana Ribeiro
Dizem que, das três filhas do Senhor Fontes, a moça chamada Zelita era a mais recatada e mais prudente. Tímida na verdade. Vestia-se com pouco luxo e menos ainda vaidade. Tinha os cabelos negros compridos, que viviam sempre presos num coque e cobertos por um lenço de cores sóbrias como suas roupas.
Era uma moça de olhar sereno e baixo. Não gostava de cavalgar como as outras. Mas bordava e costurava divinamente. Além de gostar muito de cozinhar, pois crescera na roda da saia da mãe e da Dona Josefa. Ficou moça sem muita malícia. E chegavam até a espalharem boatos de que a segunda filha do fazendeiro seria destinada ao convento. Não era cheia de atitudes como a mais velha nem afogueada como a mais nova. Por isso era de se imaginar que ficaria para tia ou viraria uma irmã de caridade num convento das redondezas.
Mas a viagem do Senhor Fontes viria resolver essa situação...
Dizem que quando o gato passeia os ratos fazem a festa. E esse ditado popular tem bastante fundamento quando se analisa certas situações e uma delas foi o que se sucedeu na fazenda após a viagem do dono.
O Capataz e homem de confiança do Senhor Fontes, que era chamado de Juvenal, há muito tempo vinha fazendo vista comprida para a moça Zelita e ao que tudo indicava, ela também o via com bons olhos.
Com a viagem do patrão, o moço deu pra rodear a casa grande mais vezes que de costume. E volta e meia lançava um par de olhos interessados naquela garota ressabiada. Mas depois do que houvera na fazenda por causa de Ana, a sombra do namoro proibido pairava sobre todos nas redondezas e principalmente sobre a casa grande.
Além disso, Zelita era diferente das irmãs em tudo, nunca faria nada que não tivesse a aprovação dos pais. Mas que seus olhos denunciavam o que lhe ia ao coração, lá isso denunciava e, vez por outra, as irmãs a cutucavam fazendo gracejos do seu interesse pelo capataz.
As duas mulheres do Senhor Fontes deram fé do que estava acontecendo e trataram de incentivar o namoro dos dois. Juvenal era um alagoano agalegado. Era alto e, apesar da origem pobre, tinha presença. Era um homem inteligente e muito trabalhador. Como caíra nas graças do patrão, ambas acreditavam que ele estaria de acordo com aquela união. E o destino se encarrega de fazer tudo por linhas próprias.
A moça Zelita não era lá tão diferente assim das demais mulheres da família. Não iria pra convento coisa nenhuma, tampouco ficaria para titia. Seria, na verdade, a matriarca de uma bela e grande família que atualmente vive no município de Itabaiana na Região agreste de Sergipe. Isso porque, por ocasião da viagem do Senhor Fontes, o pretendente Juvenal passou a frequentar o alpendre da casa grande todas as noites a fim de jogar conversa fora e tomar café com as mulheres daquela residência. E cada vez mais a amizade entre Zelita e ele aumentava.
Até que numa dessas noites a moça deu-lhe consentimento para que pedisse a sua mão em casamento ao Senhor Fontes tão logo o mesmo retornasse de viagem. E assim aconteceu.
Quando o Senhor Fontes retornou da fazenda de Iúnas, o Capataz lhe comunicou do interesse em casar-se com sua filha do meio. O fazendeiro, longe de opor-se, ficara bastante animado com a proposta. E a bem da verdade já esperava por isso, pois, observador que era, já havia flagrado os olhares interessados de ambos. E como o Capataz fosse um dos seus melhores trabalhadores e um bom negociante, concordou com o enlace e logo aquele namoro estava consentido e anunciado.
O Senhor Juvenal já passava dos trinta anos de idade e a moça Zelita havia completado os 18 anos naquele mesmo ano. Idades consideradas perfeitas para construir família. Logo a fazenda se animava para os preparativos do casório e um pouco da atmosfera de suspense se afastava como uma nuvem negra que se dissipa com os bons ventos. Só uma pessoa não estava muito feliz com aquele casamento. E não fazia questão nenhuma de esconder essa contrariedade de ninguém. Ou talvez não pudesse ou soubesse fazê-lo.
Era o filho mais velho do fazendeiro, o aluado Acrízio. Este não se conformava com o namoro da irmã, pois, mesmo com o pouco juízo que lhe restava na pequena cabeça, pensava que perder a irmã para o Senhor Juvenal não seria uma coisa boa. E começou a demonstrar sua contrariedade de várias maneiras. Toda vez que o noivo da irmã chegava ao alpendre da casa grande ele surtava. Fazia grosserias e saía correndo porta a fora ou porta a dentro. Mas ali no meio deles ninguém o via até que o homem já tivesse ido embora.
Zelita era a irmã que mais lhe dava atenção. E depois de sua mãe, era a pessoa que Acrízio mais gostava. E quando alguém que tem uma deficiência mental gosta de outro é de verdade e muitas vezes o ciúme é manifestação frequente. Assim, Acrízio desenvolveu um ódio mortal do futuro cunhado e onde quer que o homem chegasse, se ele estivesse, saia imediata e intempestivamente.
Entre o namoro, o noivado e o casamento da filha do fazendeiro com seu capataz passaram-se menos de um ano. O senhor Fontes tinha pressa de ver suas filhas bem arrajadas e o mesmo também se dava com a Dona Emília, que nos últimos anos estava cada vez mais doente. Mas essa pressa também tinha outras razões muito bem disfarçadas pela moça Zelita e as outras mulheres mais velhas daquela casa...
Na véspera do dia do casamento, enquanto todos preparavam “os comes e bebes” para a cerimônia do dia seguinte, Acrízio desapareceu. Até o meio dia todos achavam que ele fora buscar água com sua parelha de animais formada por um burro chamado Vaqueta e um jumento chamado Buiú. Mas quando o sol começou a descer e a tarde foi findando, a preocupação começou a rondar a fazenda. À noite a preocupação se redobrara e o Senhor Fontes chamou alguns homens e saiu para procurar o filho "retardado" e agora desaparecido.
Procuraram na fonte onde ele costumava buscar água e dentro da mata onde esta ficava, mas não viram os rastros dos animais e nem do seu dono. Alguém achou por bem ir procurar na cidade e isso ajudou a espalhar os boatos de que Acrízio fugira de casa porque a irmã ia se casar. Mas nem na cidade nem nas imediações do Povoado Olhos d'água encontraram notícias do rapaz. Ninguém vira Acrízio passar com os dois animais que, venhamos e convenhamos não ajudavam ninguém a se esconder. E os homens voltaram para a fazenda sem nenhuma ideia do paradeiro do irmão da noiva.
Alguns dos trabalhadores estavam no curral, pois parte dos afazeres daquela noite fora abater e cortar a carne da rês que seria servida na festa do casamento do dia seguinte. E foram aquelas mesmas pessoas que primeiro ouviram e depois avistaram os animais e Acrízio retornando para casa com as parelhas de caçuás carregados de hortaliças de diversas qualidades que o rapaz desajuizado colhera na roça durante todo aquele dia.
Quando o trio se aproximou, os homens perceberam que Acrízio se mostrava muito calmo e até bem animado com as cargas que trouxera. Os quatro caçuás estavam abarrotados de milho verde, favas, abóboras, quiabos e outros itens que ele encontrara no roçado da fazenda. Era a contribuição daquele irmão para a festa de casamento. Na cabeça dele um presente especial que fora buscar numa grota bem longe de casa.
A roça ficava num terreno recentemente desmatado, onde o Senhor Fontes mandara plantar toda sorte de legumes e outros vegetais para consumo na fazenda. Porém as plantações eram recentes e ainda não estava na época da colheita. Os caçuás, na verdade, estavam cheios de vegetais precocemente colhidos. Não serviam para comer. Mas quando a D. Emília viu aquele desperdício tresloucado, correu pra acudir o filho da bestice que fizera. Se o Senhor Fontes visse o que Acrízio havia feito no roçado novo não teria festa de casamento que evitasse que lhe desse um corretivo.
E aproveitando-se da ausência do marido que ainda o procurava, cuidou para que tudo ficasse em paz. Os homens no curral mandaram alguém ir avisar ao Senhor Fontes que Acrízio estava de volta e bem de saúde dentro de casa.
E no fim das contas o jumento e o burro levaram a melhor. Trouxeram suas cargas aos tropeções, mas passaram a madrugada toda comendo do bom e do melhor. Um verdadeiro banquete foi o que os dois fiéis escudeiros de Acrízio dividiram. Era de fazer inveja aos cavalos da cocheira... E depois de fazer o filho tomar um banho quente e ir se deitar, a Dona Emília foi preparar o café da manhã.
O dia do casamento havia chegado...
Continua...