O DIA EM QUE LEVANTEI SEM FALAR
 
Tive alguns problemas relacionados no percurso da vida. Como pratiquei vários esportes tendo como principais a pratica que envolvia lutas, de Judô, luta olímpica competitiva e lutas cênicas.

Posso até me considerar pelo tempo envolvido com os esportes que eu considerava como algo pertencente a minha vida, bem como uma necessidade para me restabelecer fisicamente, não tive grandes problemas físicos.

Tive três dedos fraturados, problemas de luxações nos ombros, rupturas dos ligamentos do joelho esquerdo, tive que operar o joelho direito, alguns pontos no pé e nos supercílios. Acidentes que me afastaram alguns meses das atividades esportivas.

Fora a causas em decorrência das lutas, também tive úlcera aos 23 anos, quando era criança sofri muito com dores de gargantas, que tive que operá-la, aos 14 anos de idade quando eu era ainda muito doente, mas em plena recuperação.

Mas com o passar dos tempos eu ficava cada vez melhor, e cheguei aos 66 anos, sem tomar nenhum tipo de remédios de forma contínua, não tinha dor de cabeça, stress, trabalhava com o que gostava bem relacionado, peso normal, com contas todas em dia, com exames médicos feitos regularmente, boa convivência familiar, em resumo eu tinha uma vida cheia de vida.

Um dia eu estava conversando com a minha mulher, e comentamos como a gente tem uma vida abençoada, com todos os nossos objetivos dando certo, e não temos nada que possamos reclamar. Uma vida que nos preocupava por estar tão boa.

Mas no dia 31 de Maio de 2010, como fazia costumeiramente, fui me deitar no horário normal. Depois de um tempo deitado, não lembro se tinha dormido ou não, senti uma dormência no braço direito. Eu estava deitado com o braço direito ao longo do meu corpo, e com a mão esquerda puxei o braço direito até a altura do peito, e ele continuou totalmente dormente. Então meu raciocínio foi de que eu havia dormido sobre o braço, razão por ele estar adormecido. Eu também não estava falando, mas isso obviamente eu não sabia, mas estava pensando. No ato contínuo, realmente dormi, mas ao acordar, estava com a mente confusa, e continuava com a dormência no braço, mas conseguia articulá-lo.

Levantei, e fui direito à sala de estar ver televisão. Eu estava de pijama, que não era normal, pois sempre levantava e trocava o pijama. Minha esposa já estava com o chimarrão pronto. Ela me fazia perguntas e eu não às respondia, apenas não respondia nem me dei conta de que eu não poderia falar, pois a confusão mental estava presente.

Peguei o controle remoto para mudar o canal, e apertava em vários botões, ou seja, não tinha domínio nenhum com o aparelho. Peguei o meu canivete de estimação, e como sempre fazia, e fui descascar uma fruta e não tive força com o braço direito. Então a minha esposa até aquele momento estava imaginando que eu me encontrava bravo com ela, o que não era usual, mas ela não sabia o porque.

Então a Iara me perguntou: tu estás com algum problema? Eu assenti com a cabeça afirmativamente, pois não tinha como falar. Então a minha esposa gelou, ligou para a nossa filha Nailê, que veio rápido com o meu genro, para irmos a Unimed que fica há duas quadras da nossa casa, para ver o que se passava comigo.

Fiquei numa maca com os médicos fazendo exames como tomografia com ressonância magnética, até descobrirem que eu tinha sofrido um AVC isquêmico.

Resumindo, fiquei dez dias hospitalizado. Minha mulher ficou todos os dias comigo dormindo num banco improvisado no quarto do hospital público, uma força, uma dedicação, que se estendeu até a minha recuperação me levando aos médicos, procurando os recursos me incentivando. Esta é a minha mulher Iara.

Devo lembrar das minhas três filhas que se sensibilizaram com a minha situação, se revezando nas visitas. Já que eu nunca tinha ficado doente. A minha irmã Nara que já faleceu aos 84 anos que todos os dias ia me visitar no hospital e demonstrou uma grande preocupação com a minha recuperação. Quando ela me viu pela primeira vez, lembrou de olhar-me com atenção, para ver os meus reflexos físicos, e viu que apesar de eu não falar, não apresentava seqüelas físicas, e ficou mais aliviada. São forças derivadas da família, que eu nunca mais vou esquecer.

O braço direito voltou dois dias depois ao normal, fiquei sem falar por muitos dias e depois durante um mês falava com muitos erros, mas aos poucos a voz foi voltando e se recuperando, mas isso levou mais de um ano.

No hospital, a minha filha Nailê, me levou um caderno para que eu pudesse escrever com a finalidade de treinar a minha mente. Eu conseguia escrever coisas que me passavam na minha cabeça, como o nome de pessoas conhecidas, mas quando eu as lia, o que estava escrito fugia da realidade, era apavorante. Eram letras que não diziam nada.

Deu-me um temor. Será que vou ficar assim. Eu não sabia quase nada sobre a minha doença. Quando o médico foi ao meu quarto eu lhe perguntei: Vou recuperar e quanto tempo vai levar? Ele me falou: tu sofreste um AVC isquêmico e vai recuperar a tua fala. Acreditei no médico, e pensei acho que vou sair-me bem dessa.

Meu hobby que é de tocar flauta e acordeão. Quando tentei tocar algumas canções, as notas se apresentaram misturadas, não me permitindo tocar nenhuma canção completa. Enfim eu tive que retomar todos os meus afazeres e ir treinando duas horas de música por dia, para refazer a minha cabeça e tentar voltar ao normal.

Não faltou perseverança, eu queria ficar bom e sempre me mantinha ocupado, com todas as atividades e nos meus trabalhos com os troféus.

Passando mais ou menos um mês do acidente, eu não conseguia lembrar dos nomes dos meus amigos bem conhecidos, então se apresentou uma depressão, ou talvez uma tristeza profunda. Um dia comecei a chorar muito. Então a minha esposa, sempre ela, ligou para o médico que estava me acompanhando, e me receitou um mediamento para depressão, que tomei por três meses, e acabei ficando bom. Ainda fiquei em duvidas se estava com depressão, ou foi apenas alguns momentos de tristeza ocasionada pela doença.

Voltei a nadar no verão 300 metros de manhã e mais 300 durante a tarde, e ainda cinco quilômetros por dia de bicicleta. Jogo cartas com a minha esposa diariamente. Fiz várias esculturas em cimento. Senti-me muito aliviado, quando consegui rememorar os números do meu CPF, carteira de identidade e número da conta bancária. Com todo o esforço para a recuperação, não fiquei com sequelas físicas, mas ainda tenho uma falha na voz.

Nós apenas entendemos o quanto à vida é frágil, depois de sofrermos algum tipo de acidente, ou enfermidade, pois eu tinha tudo em termos de saúde, e sofri um AVC, dormindo. Nós acabamos por descobrir, que a vida pode ser mudada em qualquer tempo, seja para melhor ou para pior, não importando mesmo que nós tenhamos uma saúde impecável.

Com o susto apresentado, eu mudei um pouco o pensamento em relação à vida. A gente começa a pensar sobre a nossa vida, se arrepende de muitos erros no passado, acaba ficando mais tolerante com os filhos com as pessoas de nossos relacionamentos, em fim aceita e dá uma compreensão melhor para os passos da vida, sabendo que elas além de ser finita, existem fatores que podem abreviá-la.

O nascer, viver e morrer é uma tríade que demonstra ser a nossa vida, bastante efêmera. Não podemos determinar quando, e como será o nosso fim, portando resta o meio, que é o nosso hoje. E este meio pode ser belo ou não, dependendo muito mais dos acertos do que dos erros. Devemos afastar as coisas ruins e alimentar as coisas boas, para que possamos ter um hoje melhor. Eu me sinto bem mais tolerante com a vida, e ela parece que melhorou bastante.

Eu não me encontrei num estado permanente, que é ser doente, Eu passei por um estado transitório que era estar doente. Hoje estou curado, e apostando mais em viver.

Eu já tinha a idéia de escrever as minhas memórias dos 70 anos, quando completasse 69 aniversários, mas já comecei dois anos antes para melhorar e doutrinar os meus neurônios, já que muitos morreram, e agora os novos têm que buscar caminhos alternativos, e as minhas escribas, com certeza irá contribuir para que estes caminhos se tornem mais curtos. NOTA: no ano de 2021, completei 78 anos de vida).

 
“SAÚDE... PREOCUPE-SE COM ELA”
Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 13/09/2021
Reeditado em 14/09/2021
Código do texto: T7341412
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